Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Sandra M. Gilbert - O que há

Salvo engano, a poetisa está saturada com tantas palavras a descreverem o que quer que seja, em especial as formações da natureza: o céu, a praia, as focas, os minúsculos frutos que encetam percursos pelo ar, arrastados pelo vento. Com tanto discurso, verborragia, palavrório, o que haveria mais a dizer que, de fato, por sua singularidade, valeria a pena ser registrado?

Sugere-se o silêncio e a contemplação devota de tudo o que nos cerca, talvez até com mais eloquência do que qualquer tentativa de pormenorizar os sentimentos que nos vão na alma, intraduzíveis a quem esteja a nos escutar a fala. Não o solipsismo, mas a parcela da individualidade intransponível e incognoscível ao outro.

J.A.R. – H.C.

Sandra M. Gilbert
(n. 1936)

What’s there

to write about but the daily
walk to the beach, the look at the sky, the seals,
the black mass of the cypresses, the rocks –

and even there, in the landscape,
what’s to say?
A gust of nearly microscopic fruit flies

from the harvest down the road
fills the house with dancing others who
swim in my wine, skitter and skate

at the edge of everything:
why bother to write that down?
What else is new? What else is there to say?

Let go of this leaky pen is what I say.
Wipe your hands on your apron.
Stand in the doorway. Turn off the oven.

Regard the moon.

Campo de Trigo com Ciprestes
(Vincent van Gogh: pintor holandês)

O que há

a escrever senão sobre a diária
caminhada até a praia, o olhar para o céu, as focas,
a massa negra dos ciprestes, as rochas –

e mesmo acolá, na paisagem, o que há a dizer?

Uma rajada de frutos quase microscópicos desprende-se

da colheita pela estrada,
enche a casa com outros dançantes que
flutuam em meu vinho, deslizam e patinam

à beira de tudo:
por que preocupar-se em escrever sobre isso?
O que mais há de novo? O que mais há a dizer?

Largue essa caneta porosa é o que digo.
Limpe suas mãos no avental.
Ponha-se em pé à soleira da porta. Desligue o forno.

Contemple a lua.

Referência:

GILBERT, Sandra M. What’s there. In: __________. Aftermath: poems. 1st ed. New York, NY: W. W. Norton & Company, 2011. p. 115.

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