Salvo engano, a poetisa está saturada com tantas palavras a descreverem
o que quer que seja, em especial as formações da natureza: o céu, a praia, as
focas, os minúsculos frutos que encetam
percursos pelo ar, arrastados pelo vento. Com tanto discurso, verborragia,
palavrório, o que haveria mais a dizer que, de fato, por sua singularidade,
valeria a pena ser registrado?
Sugere-se o silêncio e a contemplação devota de tudo o que nos cerca,
talvez até com mais eloquência do que qualquer tentativa de pormenorizar os
sentimentos que nos vão na alma, intraduzíveis a quem esteja a nos escutar a
fala. Não o solipsismo, mas a parcela da individualidade intransponível e
incognoscível ao outro.
J.A.R. – H.C.
Sandra M. Gilbert
(n. 1936)
What’s there
to write about but
the daily
walk to the beach,
the look at the sky, the seals,
the black mass of the
cypresses, the rocks –
and even there, in
the landscape,
what’s to say?
A gust of nearly
microscopic fruit flies
from the harvest down
the road
fills the house with
dancing others who
swim in my wine,
skitter and skate
at the edge of
everything:
why bother to write
that down?
What else is new?
What else is there to say?
Let go of this leaky
pen is what I say.
Wipe your hands on
your apron.
Stand in the doorway.
Turn off the oven.
Regard the moon.
Campo de Trigo com Ciprestes
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
O que há
a escrever senão
sobre a diária
caminhada até a
praia, o olhar para o céu, as focas,
a massa negra dos
ciprestes, as rochas –
e mesmo acolá, na
paisagem, o que há a dizer?
Uma rajada de frutos
quase microscópicos desprende-se
da colheita pela
estrada,
enche a casa com outros dançantes que
flutuam em meu vinho,
deslizam e patinam
à beira de tudo:
por que preocupar-se
em escrever sobre isso?
O que mais há de
novo? O que mais há a dizer?
Largue essa caneta porosa
é o que digo.
Limpe suas mãos no
avental.
Ponha-se em pé à
soleira da porta. Desligue o forno.
Contemple a lua.
Referência:
GILBERT, Sandra M. What’s there. In:
__________. Aftermath: poems. 1st
ed. New York, NY: W. W. Norton & Company, 2011. p. 115.
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