Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 27 de outubro de 2019

John Brinnin - O Jardim É Político

Cheio de alegorias, é mais do que certo que o poema de Brinnin vai muito além da “consolda real, da zínia e da flox” em sentido literal, para espargir críticas, muito provavelmente, à politização da paisagem poética, plasmada num EUA onde se confrontavam – como de certa forma, até hoje se confrontam – republicanos, democratas e comunistas.

Os versos de Brinnin têm uma certa capacidade para evocar imagens que se poderiam extrair a um sonho, fartas de complexidade, e, no presente caso, evocativas de um mundo que opõe revolucionários a conservadores, modernistas a antimodernistas, a linguagem solta e vanguardista a outra mais densa e opaca – neste caso, assim como a própria poesia de Brinnin se nos apresenta.

J.A.R. – H.C.

John Brinnin
(1916-1998)

The Garden Is Political

The garden is political,
Nor may the moody eyes
Of larkspur, zinnia, phlox
Stare that manifest horror down.

Nor will percussive rain come down,
Exciting, quick to change
Flower to essence, essence to flower,
As though the planted headlines

Were a row of four-o’clocks, not headlines,
As though the garden were
I A progeny of earth
And not a mask for tragedy

O, no, garden is tragedy
Up to its generous eyes,
Its sensual order, its élan.
The whole beguiling summer burns

With guilty pleasure, gaily burns
Waltzes and rounds before
The glünmering imminence of guns.
People like headstones walk

Among the twilit hedges, walk
Slow-motioned, fearing the sudden
Scream, the mutilated body,
Headless, under the leaves.

The lisp and grinning of the leaves
Lasts all the dripping night;
Even the illiterate snake must know
The garden is political.

O Jardim do Encantamento
(Thomas Edwin Mostyn: pintor inglês)

O Jardim É Político

O jardim é político,
E não podem os olhos soturnos
Da consolda real, da zínia e da flox
Contemplar esse horror manifesto.

Nem a chuva percussiva descerá,
Excitante, ávida de transformar
A flor em essência, a essência em flor,
Como se as manchetes espalhadas

Fossem uma fila de boninas, não manchetes,
Como se o jardim fosse
Uma prole da terra,
E não um disfarce para a tragédia,

Ó, não, o jardim é tragédia
Até seus olhos generosos,
Sua ordem sensual, seu élan.
Todo o sedutor verão queima.

Com culposo prazer, queima alegremente
As valsas e volteia diante
Da reluzente iminência das armas.
As pessoas, como marcos, caminham.

Por entre sebes pouco iluminadas, andam
Em movimentos lentos, temendo o grito
Súbito, o corpo mutilado,
Sem cabeça, sob as folhas.

O ciclo e o sorriso das folhas
Duram por toda a encharcada noite;
Mesmo a serpente, iletrada, deve saber
Que o jardim é político.

Referência:

HOWES, Barbara. The garden is political / O jardim é político. Tradução de Marcos Santarrita. In: NEMEROV, Howard (Coord.). Poesia como criação. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro, GB: Edições GRD, 1968. Em inglês: p. 99-100; em português: p. 117.

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