Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Miroslav Holub - Patologia

Inserto na obra “Denní služba” (“Serviço diário”), de 1958, este poema do autor tcheco reporta-se aos que lutaram em defesa de um ideário que se plasmou no lema da bandeira francesa – Liberté, Égalité, Fraternité –, cada uma dessas divisas representada por uma cor, a se considerar a trilogia composta pelo cineasta polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996): “A Liberdade é Azul” (1993), “A Igualdade é Branca” (1994) e “A Fraternidade é Vermelha” (1994).

E aos olhos de Holub tudo se passa como se vã fosse a experiência humana ao longo da história, pois lhe parece que tais divisas não têm capacidade para ressoar os seus clarins aos que se encontram na lida quotidiana: apenas em eventuais surtos é que se experimenta algo que possa se afigurar como o paraíso. Idem, o céu e o inferno. Eis aí o nosso estado patológico em porfiar no sonho!

J.A.R. – H.C.

Miroslav Holub
(1923-1998)

Pathology

Here in the Lord’s bosom rest
the tongues of beggars,
the lungs of generals,
the eyes of informers,
the skins of martyrs,

in the absolute
of the microscope’s lenses.

I leaf through Old Testament slices of liver,
in the white monuments of brain I read
the hieroglyphs
of decay.

Behold, Christians,
Heaven, Hell, and Paradise
in bottles.
And no wailing,
not even a sigh.
Only the dust moans.
Dumb is history
strained
through capillaries.

Equality dumb. Fraternity dumb.

And out of the tricolours of mortal suffering
we day after day
pull
threads of wisdom.

O Martírio de São Mateus
(Caravaggio: pintor italiano)

Patologia

Aqui, no seio do Senhor, jazem
as línguas dos mendigos,
os pulmões dos generais,
os olhos dos informantes,
as peles dos mártires,

no absoluto
das lâminas do microscópio.

Folheio fatias de fígado de uma ponta a outra
do Velho Testamento,
nas lápides brancas do cérebro leio
hieróglifos
da decomposição.

Olhai, Cristãos,
Céu, Inferno e Paraíso
em frascos.

E sem lamento,
nem mesmo um suspiro.
Somente geme a poeira.
Muda é a história
confrangida
através dos capilares.

Igualdade muda. Fraternidade muda.

E do tricolor de mortal aflição,
os fios de sabedoria,
dia após dia,
puxamos.

Referência:

HOLUB, Miroslav. Pathology. In: __________. Selected poems. Translated from Czech to English by Ian Milner and George Theiner. With an Introduction by A. Alvarez. 1st. publ. Middlesex, EN: Penguin Books, 1967. p. 30. (Penguin Modern European Poets)

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