A escrita de um poema sob a alegoria de um nadador que avança pelas
águas com a carência de um aprendiz, logo sentindo o peso dos músculos e a respiração
ofegante, nadando e nadando para alcançar um pretenso porto seguro ancorado em
laudas sem conta, as quais, de resto, se configuram num “nada” castiço.
E o poeta escolhe a mais clássica das formas para nadar, o nado de
peito, porque seria a que mais se ajusta a um “poeta moderno”, eis que exige
certa “contenção” – talvez para extirpar todo o conteúdo idiossincrático do
poema, deixando os versos desvestidos de qualquer subjetivismo ou romantismo –,
como se parodiássemos Kelsen: a “teoria pura do poema”.
Obs.: A segunda parte da palavra “cambalhota” (“balhota”), na versão do
poema, inserta na obra em referência, encontra-se de cabeça para baixo,
evidentemente para conferir um efeito de voluta ao significante. Mas,
infelizmente, não consegui gerar tal efeito no ‘word’. Fazer o quê?!...
J.A.R. – H.C.
João Moura Jr.
(n. 1950)
Nadando
Por incrível que
pareça,
talvez o melhor
estilo
para um poeta moderno
seja o estilo
clássico, ou
nado de peito. Ele
exige
certa contenção. Você
desliza n’água mansa-
mente, como se
hesitasse.
Ao atingir a borda, é
impossível virar cam-
balhota, daí talvez
ele
ser chamado clássico,
ou
quem sabe é porque é
o que serve
melhor para se
observar
o que se passa ao
redor,
isto é, fotografá-lo,
ou
– evitando o
anacronismo,
e já que falamos de
água –
espelhá-lo, visto que
o
espelho é por
excelência
a metáfora do
clássico.
Nadar é como uma
cobra:
um constante
enrodilhar-se
em pensamento por
vezes
nada sublimes (que
belo
traseiro ali adiante,
etc.);
daí, em vez de estilo
clássico,
talvez fosse mais
correto
falar-se em mescla de
estilos.
Nadar: um poema longo
em redondilha maior
com andamento de
prosa
em que é difícil
manter
o mesmo ritmo sempre
(Poe não dizia que um
poema
deve necessariamente
ser breve?).
Começa-se a
arfar, os músculos
pesam,
respira-se irregular-
mente, o nado, apesar
de
clássico, agora
assemelha-se
a um poema moderno
(ou a um
desaprendizado),
um poema que tivesse
uma piscina por tema,
e um nadador que
insistisse,
já que escrever
poesia
(principalmente hoje
em dia)
é uma espécie de
nada.
Nada. Nada. Nada.
Nada.
Fuga no mar II: o peixe rebelde
(Nancy Tilles: pintora norte-americana)
Referência:
MOURA JR., João. Nadando. In: MASSI,
Augusto (Org.). Artes e ofícios da
poesia. Porto Alegre, RS: Artes e Ofícios, 1991. p. 176-177.
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