Eis um poema com título a prometer bem mais do que nele consta: afinal,
trata-se de um arranjo gracioso para, a sério, entabular digressões sobre fatos
ou lendas que se contam da vida de grandes artistas – Michelangelo, Rafael,
Dürer e outros –, cujas obras, estas sim, por suas peculiaridades, entraram
para a grande história da arte.
Ao final, o poeta afirma que cada obra capaz de marcar presença no
contexto da arte surge pautada por suas próprias leis, a pouco importar se, os
que as avaliam, nelas percebam algumas imperfeições – adjetivadas, aliás, como,
“idiossincráticas” –, pois o que conta é que o ofício do artista seja desenvolvido
em plena liberdade, mesmo à margem de regramentos canônicos.
J.A.R. – H.C.
David Markson
(1927-2010)
History and Theory of Art
Pontormo there, for
anatomic truth,
Was said to house
cadavers ‘neath his roof,
And Cosimo,
disdaining meals, would stew
Four dozen eggs at
once, while cooking glue.
Of doltish mold,
Uccello could not sleep
For trying cruel
perspective till he’d weep.
Your Dürer, reading
Luther, cracked, and raved –
Though unlike
Michelangelo, he bathed.
Fra Lippi spoiled,
but later wed, a nun,
And Raphael, for
bawds, left walls undone;
Yet Van der Goes
could only work when calm,
So friars shrewdly
lifted voice in psalm.
Van Gogh, who shot
himself, was long since vague,
While Titian died at
ninety-nine, of plague.
El Greco thrived in
dark, when all was stilled,
And Caravaggio once
killed.
Each work of art is
disciplined by laws,
Nor will they bend to
idiosyncratic flaws;
As Leonardo doubtless
would agree –
Who bought caged
birds, and set them free.
Dama com Unicórnio
(Rafael Sanzio:
artista italiano)
História e Teoria da Arte
Eis ali Pontormo que,
pela fidedignidade anatômica,
Dizia-se albergar
cadáveres debaixo de seu teto,
E Cosimo, desdenhando
as refeições, que preparava
Quatro dezenas de
ovos por vez, enquanto cozia a cola.
De têmpera insana, Uccello
não era capaz de dormir
Ao obstinar-se numa
perspectiva cruel que o fizesse chorar.
Mr. Dürer, ao ler Lutero, deixou-se cativar a ponto de delirar,
Embora, distintamente
de Michelango, zelasse em banhar-se.
Fra Lippi
corrompeu-se, mas depois casou-se com uma freira,
E Rafael, por
messalinas, deixou murais inacabados;
Já Van der Goes só
podia trabalhar quando tranquilo estava,
Pelo que astutamente
os frades erguiam o tom ao salmodiar.
Van Gogh, que se alvejou,
por muito tempo esteve a vaguear,
Enquanto de peste
morreu Ticiano aos noventa e nove anos.
El Greco prosperou
nas sombras, quando tudo estava calmo,
E Caravaggio cometeu um assassínio em certa ocasião.
Cada obra de arte
aflora disciplinada por leis próprias,
Nem hão de se dobrar
a idiossincráticas imperfeições;
Assim como Leonardo,
sem dúvida, estaria de acordo –
Ele que certa vez
comprou pássaros cativos e os libertou.
Referência:
MARKSON, David. History and theory of art.
In: __________. Collected poems.
1st. ed. Normal, IL: Dalkey Archive Press, 1993. p. 13.
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