Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 19 de outubro de 2019

Anne Sexton - Desta Casta

Encontrava-me no meio de uma versão ao português do poema abaixo, literalmente “Seu Tipo”, de Sexton, quando, passeando pela internet, abdiquei da tarefa, pois deparei com a tradução de Bernardo Beledeli Perin, que julguei um encanto, mantidas as rimas do original, embora fugindo um pouco da literalidade do texto da poetisa. Mas fazer o quê? Não estamos no melhor dos mundos possíveis!

O que vale é a beleza e a graça com que os versos exprimem ou subentendem os papéis femininos, impostos ou não pelas normas ditas sociais, restringindo ou não a expansão mais autêntica dessa bruxa dos subúrbios: de mãe valente à fêmea fatal, de esposa domesticada à irresignada que se insurge contra aqueles que a oprimem. Vejam qual é o tipo de Sexton!

J.A.R. – H.C.

Anne Sexton
(1928-1974)

Her Kind

I have gone out, a possessed witch,
haunting the black air, braver at night;
dreaming evil, I have done my hitch
over the plain houses, light by light:
lonely thing, twelve-fingered, out of mind.
A woman like that is not a woman, quite.
I have been her kind.

I have found the warm caves in the woods,
filled them with skillets, carvings, shelves,
closets, silks, innumerable goods;
fixed the suppers for the worms and the elves:
whining, rearranging the disaligned.
A woman like that is misunderstood.
I have been her kind.

I have ridden in your cart, driver,
waved my nude arms at villages going by,
learning the last bright routes, survivor
where your flames still bite my thigh
and my ribs crack where your wheels wind.
A woman like that is not ashamed to die.
I have been her kind.

Mulher com uma pérola
(Jean-Baptiste-Camille Corot: pintor francês)

Desta Casta

Tenho saído por aí, bruxa maldita,
assombrado no escuro, na noite bravia;
tramando o mal, minha espécie milita
sobre casas comuns onde a lanterna luzia:
sozinha, doze dedos, de loucura vasta.
Mulheres assim não são mulheres, eu sabia.
Eu tenho sido desta casta.

Tenho achado grutas mornas sob o céu,
enchido-as de potes, entalhes, estantes,
móveis, panos, incontável cacaréu;
para vermes e duendes preparo lanches:
enfileirando-os, queixosa, exausta.
Mulheres assim ninguém entendeu.
Eu tenho sido desta casta.

Tenho andado na sua caleça, cocheiro,
acenado braços nus às vilas que passam,
aprendendo as rotas finais, no fogareiro
sobrevivo às chamas que pernas assam
e fendem ossos, onde a carroça se arrasta.
Mulheres assim de morrer não se vexam.
Eu tenho sido desta casta.

Tradução de Bernardo Beledeli Perin

Referência:

SEXTON, Anne. Her kind. In: ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real poems for unreal times. 1st. ed. New York, NY: Miramax Books, 2003. p. 125.

Nenhum comentário:

Postar um comentário