Como já se disse alhures, um poema jamais deve
ser objeto de explicações mil, devendo existir pelo que contiver em si mesmo,
forma e conteúdo. Então, aplicando-se o método da derivada (rs), passo pela
tangente e transcrevo um excerto de “A Insustentável Leveza do Ser”, do tcheco
Milan Kundera, também a exprimir ideias sobre a música:
A Música: Para Franz, é a
arte que mais se aproxima da beleza dionisíaca concebida como êxtase.
Dificilmente nos atordoamos com um romance ou um quadro, mas podemos nos
extasiar com a ‘Nona’ de Beethoven, com a ‘Sonata para dois pianos e percussão’
de Bartok e com uma canção dos Beatles. Franz não faz diferença entre a grande
música e a música ligeira. Essa distinção parecia-lhe hipócrita e fora de
época. Gostava igualmente de rock e de Mozart.
Para ele, a música é
libertadora: ela o liberta da solidão e da clausura, da poeira das bibliotecas
e abre-lhe no corpo as portas por onde a alma pode sair para confraternizar-se.
Gosta de dançar e lamenta que Sabina não compartilhe com ele esse prazer.
(KUNDERA, 1983, p. 98)
Fala-se assim da música sem intentar
circunvoluções sobre os versos do poeta, senão tentando apreender outras
dimensões que somente a música é capaz de engendrar sobre os nossos sentidos:
ela é uma das belezas que, como assevera o “néscio” príncipe Míchkin, há de
salvar o mundo!
J.A.R. – H.C.
Albert Samain
(1858-1900)
Musique
Puisqu’il n’est point de mots qui puissent
contenir,
Ce soir, mon âme triste en vouloir de se taire,
Qu’un archet pur s’élève et chante, solitaire,
Pour mon rêve jaloux de ne se définir.
O coupe de cristal pleine de souvenir;
Musique, c’est ton eau seule qui désaltère ;
Et l’âme va d’instinct se fondre en ton mystère,
Comme la lèvre vient à la lèvre s’unir.
Sanglot d’or !... Oh ! voici le divin sortilège!
Un vent d’aile a couru sur la chair qui
s’allège;
Des mains d’anges sur nous promènent leur
douceur.
Harmonie, et c’est toi, la Vierge secourable,
Qui, comme un pauvre enfant, berces contre ton
coeur
Notre coeur infini, notre coeur misérable.
A Lição de Música
(Johannes Vermeer:
pintor holandês)
Música
Se palavras não há que possam de minha alma,
Nesta noite, conter a ânsia de sossegar,
Que um arco puro se erga e cante, e seu cantar,
Sozinho, me transforme o sonho ansioso em calma.
Ó taça de cristal com a lembrança que ensalma!
Ó Música, tu vens minha sede matar;
Só no segredo teu, como um lábio a beijar
Outro lábio, instintiva, a alma se funde e
acalma.
Soluço de ouro!… Estranho e divino mistério!
Um vento de asa corre, e é como um refrigério;
Mãos de anjos vêm passear em nós sua doçura,
Harmonia, e tu és a Virgem amorável,
A criança gentil que em seu peito emoldura
O nosso coração imenso e miserável.
Referências:
KUNDERA, Milan. A insustentável leveza
do ser. Tradução de Tereza B. Carvalho da Fonseca. Rio de Janeiro, RJ:
Record & Altaya, 1983. (‘Mestres da Literatura Contemporânea’; n. 2)
SAMAIN, Albert. Musique / Música. Tradução de
José Jeronymo Rivera. In: RIVERA, José Jeronymo (Organização e tradução). Poesia
francesa: pequena antologia bilíngue. 2. ed., revista e aumentada.
Brasília, DF: Thesaurus, 2005. Em francês: p. 120; em português: 121.
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