Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 12 de outubro de 2019

W. H. Auden - A Lei Semelhante ao Amor

O tema deste poema é a lei, uma espécie de dever a que todos estamos submetidos – sem recorrer a solipsismos ou ao mito da formulação de um contrato social preambular –, mas que se mostra de difícil identificação objetiva, assim como o amor, esse sentimento que, de onde vem, pouco realmente sabemos ou mesmo para onde está nos levando.

O poeta tenta refletir sobre o que seria a lei à luz do que um elenco de pessoas diz ser: para o agricultor é o sol e as estações do ano; para o avançado em anos é a sua experiência e sabedoria; para os jovens são os seus próprios sentidos; para o sacerdote, as palavras de seu livro de revelação; para o magistrado, os diplomas legais; para os doutos, as regras de convivência; para o idiota de voz macia, equivale à sua própria identidade; e por aí vai. Haverá um denominador comum para essa panóplia de interpretações, um preceito intersubjetivo que a todos vincula?!...

J.A.R. – H.C.

W. H. Auden
(1907-1973)

Law Like Love

Law, say the gardeners, is the sun,
Law is the one
All gardeners obey
Tomorrow, yesterday, today.

Law is the wisdom of the old,
The impotent grandfathers feebly scold;
The grandchildren put out a treble tongue,
Law is the senses of the young.

Law, says the priest with a priestly look,
Expounding to an unpriestly people,
Law is the words in my priestly book
Law is my pulpit and my steeple.

Law, says the judge as he looks down his nose,
Speaking clearly and most severly,
Law is as I’ve told you before,
Law is as you know I suppose,
Law is but let me explain it once more,
Law is The Law.

Yet law-abiding scholars write:
Law is neither wrong nor right,
Law is only crimes
Punished by places and by times,
Law is the clothes men wear
Anytime, anwhere.
Law is Good-morning and Good-night.

Others say, Law is our Fate;
Others say, Law is our State;
Others say, others say
Law is no more.
Law has gone away.

And always the loud angry crowd,
Very angry and very loud,
Law is We,
And always the soft idiot softly Me.

If we, dear, know we know no more
Than they about the Law,
If I no more than you
Know what we should and should not do
Except that all agree
Gladly or miserably
That the Law is
And that all know this,
If therefore thinking it absurd
To identify Law with some other word,
Unlike so many men
I cannot saw Law is again
No more than they can we suppress
The universal wish to guess
Or slip out of our own position
Into an unconcerned condition.

Although I can at least confine
Your vanity and mine
To stating timidly
A timid similarity,
We shall boast anyway:
Like Love I say.
Like love we don’t know where or why,
Like love we can’t compel or fly,
Like love we often weep.
Like love we seldom keep.

Nascimento do Amor
(Vladimir Kush: pintor russo)

A Lei Semelhante ao Amor

A Lei, dizem os jardineiros, é o sol,
a Lei é aquele
que todos os jardineiros obedecem:
amanhã, ontem, hoje.

A Lei é a sabedoria dos mais velhos,
os débeis avós agudamente ralham;
os netos mostram a língua triplicada,
a Lei são os sentidos dos jovens.

A Lei, diz o padre com um olhar sacerdotal,
explicando para gente não sacerdotal,
a Lei são as palavras do meu livro sacerdotal,
a Lei é o meu púlpito e o meu campanário.

A Lei, diz o magistrado olhando a ponta do nariz,
falando claro e com rigor,
a Lei é, como eu já vos disse,
a Lei é, como suponho que sabeis,
a Lei é apenas, deixai-me esclarecê-lo uma vez mais,
a Lei é a Lei.

Mas escrevem os doutos, submissos à lei:
a Lei não é o erro nem o direito,
a Lei são apenas crimes
punidos conforme os lugares e tempos,
a Lei é a roupa que os homens trazem
em qualquer tempo, em qualquer lugar,
a Lei é o Bom dia e o Boa Noite.

Dizem outros, a Lei é o nosso Destino;
dizem outros, a Lei é o nosso Estado;
dizem outros, dizem outros,
a Lei já não existe,
a Lei se foi embora.

E sempre a multidão irada e clamorosa,
muito irada e muito clamorosa:
a Lei somos Nós,
e sempre o idiota de voz macia, maciamente: Eu.

Se nós, querida, sabemos que não sabemos mais
do que eles a propósito da Lei;
se eu não sei mais do que tu
o que devemos e o que não devemos fazer,
a não ser que todos concordam
com alegria ou tristeza
em que a Lei existe
e todos sabem disso;
se portanto, julgando absurdo
identificar a Lei com alguma outra palavra,
diversamente de tantos homens
eu não posso dizer que a Lei existe de novo,
não podemos reprimir mais do que eles
o universal desejo de conjeturar
ou de escapar de nossa posição
para uma condição de indiferença.

Embora eu possa pelo menos restringir
tua vaidade e a minha
a fixar timidamente
uma tímida semelhança,
blasonaremos de algum modo:
como o amor, digo eu.
Como o amor, que não sabemos onde ou por que,
como o amor, que não podemos obrigar ou fugir,
como o amor, que freqüentemente choramos,
como o amor, que poucas vezes conservamos.

Referência:

AUDEN, W. H. Law like love / A lei semelhante ao amor. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. In: RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (Org.). Poetas de Inglaterra. Tradução e notas em colaboração com Paulo Vizioli. São Paulo, SP: Bandeirante S.A. Indústria Gráfica, 1970. Em inglês: p. 328 e 330; em português: p. 329 e 331. (“Poesia de Todos os Tempos”)

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