O tema deste poema é a lei, uma espécie de dever a que todos estamos
submetidos – sem recorrer a solipsismos ou ao mito da formulação de um contrato
social preambular –, mas que se mostra de difícil identificação objetiva, assim
como o amor, esse sentimento que, de onde vem, pouco realmente sabemos ou mesmo
para onde está nos levando.
O poeta tenta refletir sobre o que seria a lei à luz do que um elenco de
pessoas diz ser: para o agricultor é o sol e as estações do ano; para o
avançado em anos é a sua experiência e sabedoria; para os jovens são os seus
próprios sentidos; para o sacerdote, as palavras de seu livro de revelação;
para o magistrado, os diplomas legais; para os doutos, as regras de
convivência; para o idiota de voz macia, equivale à sua própria identidade; e
por aí vai. Haverá um denominador comum para essa panóplia de interpretações,
um preceito intersubjetivo que a todos vincula?!...
J.A.R. – H.C.
W. H. Auden
(1907-1973)
Law Like Love
Law, say the
gardeners, is the sun,
Law is the one
All gardeners obey
Tomorrow, yesterday,
today.
Law is the wisdom of
the old,
The impotent
grandfathers feebly scold;
The grandchildren put
out a treble tongue,
Law is the senses of
the young.
Law, says the priest
with a priestly look,
Expounding to an
unpriestly people,
Law is the words in
my priestly book
Law is my pulpit and
my steeple.
Law, says the judge
as he looks down his nose,
Speaking clearly and
most severly,
Law is as I’ve told
you before,
Law is as you know I
suppose,
Law is but let me
explain it once more,
Law is The Law.
Yet law-abiding
scholars write:
Law is neither wrong
nor right,
Law is only crimes
Punished by places
and by times,
Law is the clothes
men wear
Anytime, anwhere.
Law is Good-morning
and Good-night.
Others say, Law is
our Fate;
Others say, Law is
our State;
Others say, others
say
Law is no more.
Law has gone away.
And always the loud
angry crowd,
Very angry and very
loud,
Law is We,
And always the soft
idiot softly Me.
If we, dear, know we
know no more
Than they about the
Law,
If I no more than you
Know what we should
and should not do
Except that all agree
Gladly or miserably
That the Law is
And that all know
this,
If therefore thinking
it absurd
To identify Law with
some other word,
Unlike so many men
I cannot saw Law is
again
No more than they can
we suppress
The universal wish to
guess
Or slip out of our
own position
Into an unconcerned
condition.
Although I can at
least confine
Your vanity and mine
To stating timidly
A timid similarity,
We shall boast
anyway:
Like Love I say.
Like love we don’t
know where or why,
Like love we can’t
compel or fly,
Like love we often
weep.
Like love we seldom
keep.
Nascimento do Amor
(Vladimir Kush:
pintor russo)
A Lei Semelhante ao Amor
A Lei, dizem os
jardineiros, é o sol,
a Lei é aquele
que todos os
jardineiros obedecem:
amanhã, ontem, hoje.
A Lei é a sabedoria
dos mais velhos,
os débeis avós
agudamente ralham;
os netos mostram a
língua triplicada,
a Lei são os sentidos
dos jovens.
A Lei, diz o padre
com um olhar sacerdotal,
explicando para gente
não sacerdotal,
a Lei são as palavras
do meu livro sacerdotal,
a Lei é o meu púlpito
e o meu campanário.
A Lei, diz o
magistrado olhando a ponta do nariz,
falando claro e com
rigor,
a Lei é, como eu já
vos disse,
a Lei é, como suponho
que sabeis,
a Lei é apenas,
deixai-me esclarecê-lo uma vez mais,
a Lei é a Lei.
Mas escrevem os
doutos, submissos à lei:
a Lei não é o erro
nem o direito,
a Lei são apenas
crimes
punidos conforme os
lugares e tempos,
a Lei é a roupa que
os homens trazem
em qualquer tempo, em
qualquer lugar,
a Lei é o Bom dia e o
Boa Noite.
Dizem outros, a Lei é
o nosso Destino;
dizem outros, a Lei é
o nosso Estado;
dizem outros, dizem
outros,
a Lei já não existe,
a Lei se foi embora.
E sempre a multidão
irada e clamorosa,
muito irada e muito
clamorosa:
a Lei somos Nós,
e sempre o idiota de
voz macia, maciamente: Eu.
Se nós, querida,
sabemos que não sabemos mais
do que eles a
propósito da Lei;
se eu não sei mais do
que tu
o que devemos e o que
não devemos fazer,
a não ser que todos
concordam
com alegria ou
tristeza
em que a Lei existe
e todos sabem disso;
se portanto, julgando
absurdo
identificar a Lei com
alguma outra palavra,
diversamente de
tantos homens
eu não posso dizer
que a Lei existe de novo,
não podemos reprimir
mais do que eles
o universal desejo de
conjeturar
ou de escapar de
nossa posição
para uma condição de
indiferença.
Embora eu possa pelo
menos restringir
tua vaidade e a minha
a fixar timidamente
uma tímida
semelhança,
blasonaremos de algum
modo:
como o amor, digo eu.
Como o amor, que não
sabemos onde ou por que,
como o amor, que não
podemos obrigar ou fugir,
como o amor, que
freqüentemente choramos,
como o amor, que
poucas vezes conservamos.
Referência:
AUDEN, W. H. Law like love / A lei
semelhante ao amor. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. In: RAMOS,
Péricles Eugênio da Silva (Org.). Poetas
de Inglaterra. Tradução e notas em colaboração com Paulo Vizioli. São
Paulo, SP: Bandeirante S.A. Indústria Gráfica, 1970. Em inglês: p. 328 e 330;
em português: p. 329 e 331. (“Poesia de Todos os Tempos”)
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