Aqui
temos um outro soneto de Borges sobre o grande filósofo holandês, como tema
alternativo ao soneto mais conhecido, já aqui postado
e confrontado com o de Machado de Assis sobre o mesmo pensador: o tema converge
agora para as elucubrações de Espinosa sobre a natureza de Deus, ou melhor,
Deus e a natureza como sendo realidades equivalentes.
Quer
na primeira parte da “Ética”, quer no “Breve tratado de Deus, do homem e do seu
bem-estar”, sobressai a versão, deduzida racionalmente, de um Deus que em muito
pouco ou nada se parece com o Deus judaico-cristão – não sendo exigente quanto
às preces que lhe devem ser dirigidas pelos humanos –, haja vista que abstrato
e impessoal. Nesse plano, Deus é erigido com o poder da palavra de um homem,
uma inversão, com efeito, em relação aos termos bíblicos, em cujo cânon consta
que o homem teria sido criado pelo poder da palavra de Deus.
J.A.R.
– H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
Baruch Espinosa
Bruma de oro, el occidente alumbra
La ventana. El asiduo manuscrito
Aguarda, ya cargado de infinito.
Alguien construye a Dios en la penumbra.
Um hombre engendra a Dios. Es un judío
De tristes ojos y de piel cetrina;
Lo lleva el tiempo como lleva el río
Una hoja en el agua que declina.
No importa. El hechichero insiste y labra
A Dios con geometría delicada;
Desde su enfermedad, desde su nada,
Sigue erigiendo a Dios con la palabra.
El más pródigo amor Ie fue otorgado,
El amor que no espera ser amado.
En: “La Moneda de Hierro” (1976)
Baruch Spinoza
(Samuel van Hoogstraaten: pintor holandês)
Baruch Espinosa
Bruma de ouro, o ocidente alumbra
A janela. O assíduo manuscrito
Aguarda, já repleto de infinito.
Alguém fabrica Deus entre a penumbra.
Um homem engendra Deus. É um judeu
De tristes olhos e pele citrina;
O tempo o leva como o rio perdeu
Uma folha na água que declina.
Não importa. O feiticeiro insiste e lavra
Deus com geometria delicada;
De sua enfermidade, de seu nada,
Segue erigindo Deus com a palavra.
O mais pródigo amor lhe foi outorgado,
O amor que não espera ser amado.
Em: “A Moeda de Ferro” (1976)
Referência:
BORGES,
Jorge Luis. Baruch Espinosa / Baruch Espinosa. Tradução de Josely Vianna
Baptista. In: __________. Poesia. Tradução de Josely Vianna
Baptista. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009. Em espanhol: p. 543; em
português: p. 235.
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