Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Primo Levi - Um ofício

Embora químico de formação, Primo Levi foi desaguar na literatura – assim como o argentino Ernesto Sabato, que da Física empreendeu giro até o romance, o ensaio e as artes plásticas. E é do ofício da poética que Levi põe-se a nos dirigir preleções, quando percebe que os versos zumbem como mariposas à sua volta.

Tudo se passa como se o autor ítalo-judeu nos tomasse pelas mãos e nos conduzisse pelas alas de um belo palácio, mostrando-nos a sucessão de operações que se incorporam ao trabalho em apreço, para que, ao final, se tenha um resultado que seja relevante, quer pelo significante quer pelo significado, assim como esteticamente consistente.

J.A.R. – H.C.

 

Primo Levi

(1919-1987)

 

Un mestiere

 

Non hai che da aspettare, con la biro pronta:

I versi ti ronzano intorno, come falene ubriache;

Una viene alla fiamma e tu l’acchiappi.

Certo non è finito, una non basta,

Ma è già molto, è l’inizio del lavoro.

Le altre atterrano lì vicino a gara,

In fila o in cerchio, in ordine o in disordine,

Semplici e quete e serve al tuo comando:

Il padrone sei tu, non si discute.

Se il giorno è buono, tu le disponi a schiera.

E’ un bel lavoro, vero? Onorato dal tempo,

Vecchio sessanta secoli e sempre nuovo,

Con regole precise eppur lasche,

O senza regole, come più ti piace.

Ti fa sentire in buona compagnia,

Non ozioso, non perso, non sempre inutile,

Caligato e togato,

Ammantato di bisso, laureato.

Abbi soltanto cura di non presumere.

 

(2 gennaio 1984)

 

São Jerônimo Escrevendo

(Caravaggio: pintor italiano)

 

Um ofício

 

Você só tem que esperar, com a caneta pronta:

Os versos zumbem ao redor como falenas bêbadas;

Uma vem até a chama e você a agarra.

Claro, não terminou, uma não basta,

Mas já é muito, é o início do trabalho.

As outras aterram em disputa ali perto,

Em fila ou em círculo, em ordem ou desordem,

Simples e quietas, obedientes ao seu comando:

Você é quem manda, não se discute.

Se o dia é bom, você as dispõe em fileira.

É um belo trabalho, não? Honrado pelo tempo,

Antigo sessenta séculos e sempre novo,

Com regras precisas ou então lassas,

Ou sem regras, como mais lhe agrada.

Assim se sente em boa companhia,

Não ocioso, não perdido, não sempre inútil,

Nimbado e togado,

Imantado de bisso, laureado.

Só tenha cuidado com a soberba.

 

(2 de janeiro de 1984)


Referência:

LEVI, Primo. Un mestiere / Um ofício. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Mil sóis: poemas escolhidos. Seleção, tradução e apresentação de Maurício Santana Dias. 1. ed. São Paulo, SP: Todavia, 2019. Em italiano: p. 106; em português: p. 107.

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