Neste poema, da primeira metade dos anos 50, o poeta amazonense já se
referia à cizânia insana que até hoje perdura nas terras da Palestina, e não
apenas lá, mas em qualquer canto onde o ódio supera o amor.
Mello alude a um amor mais amplo, quiçá de ordem incondicional, sem
pretensão de recompensa, como o que saíra da mensagem do homem nascido na
manjedoura, para onde deveríamos nos voltar a cada momento, com o objetivo de aprender a “amar o pássaro mesmo sem céu azul” ao fundo.
J.A.R. – H.C.
Thiago de Mello
(n. 1926)
Poema de Natal, Quase de Amor
Cristo nasceu.
Nascido permanece.
Contudo não lhe fui à
manjedoura:
à medida que morro
desaprendo
o caminho sonhado por
meus pés.
Ervas encobrem sendas
de Judá
que outrora
palmilharam magos, bois.
(Já à beira do Sinai,
nascem fragores,
não das sarças
ardendo, mas dos ódios.)
Aos olhos de quem
soube do menino
e se aventura a
achá-lo, entre destroços
de uma Jerusalém
abandonada,
não brilha mais a estrela
solitária.
Hoje são muitas,
todos nos confundem
e indicam mil
caminhos: nenhum leva
ao Cristo adormecido
entre capim.
O cristal do seu
pranto está perfeito.
Os mugidos perduram,
sempre humildes.
A mensagem de amor, o
incenso, a mirra.
A palavra dos anjos
ainda soa,
mas já não racha o
muro dos ouvidos
que, por nada
escutar, ficaram moucos.
Por isso nosso amor é
diferente:
imperfeito e aleijado
– um fogo surdo
que apenas arde,
queima, e não aclara
o nosso obscuro e
inútil coração.
No pecado, que é
nosso abismo e amparo,
está no entanto a
chave, humana e esquiva,
do mundo que nos
coube e o seu mistério,
– se aprendermos a
amar. Aquém de amar
o pássaro no azul,
importa amar
tão simplesmente o
pássaro, sem céu.
Amar (sem
recompensa), por exemplo,
a carne repelida
porque enorme
e inerme, e azeda, e
amarga, após o abraço.
E amar, sem tornar
vil, nossa alma de homem
– aí, frágil,
desvairada alma, tão grande
para abrigar tão
mínima aventura,
com sua podridão angustiada
que nos consome
porque não sabemos
o caminho que leva à
manjedoura.
Em: “O Andarilho da Manhã: 1953-1955”
A Pequena Cidade de Belém
(Carol Sheli Cantrell:
artista norte-americana)
Referência:
MELLO, Thiago de. Poema de Natal, quase
de amor. In: __________. Vento geral:
1951-1981. Poesia. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1984. p.
149-150.
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