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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Thiago de Mello - Poema de Natal, Quase de Amor

Neste poema, da primeira metade dos anos 50, o poeta amazonense já se referia à cizânia insana que até hoje perdura nas terras da Palestina, e não apenas lá, mas em qualquer canto onde o ódio supera o amor.

Mello alude a um amor mais amplo, quiçá de ordem incondicional, sem pretensão de recompensa, como o que saíra da mensagem do homem nascido na manjedoura, para onde deveríamos nos voltar a cada momento, com o objetivo de aprender a “amar o pássaro mesmo sem céu azul” ao fundo.

J.A.R. – H.C.

Thiago de Mello
(n. 1926)

Poema de Natal, Quase de Amor

Cristo nasceu. Nascido permanece.
Contudo não lhe fui à manjedoura:
à medida que morro desaprendo
o caminho sonhado por meus pés.
Ervas encobrem sendas de Judá
que outrora palmilharam magos, bois.
(Já à beira do Sinai, nascem fragores,
não das sarças ardendo, mas dos ódios.)

Aos olhos de quem soube do menino
e se aventura a achá-lo, entre destroços
de uma Jerusalém abandonada,
não brilha mais a estrela solitária.
Hoje são muitas, todos nos confundem
e indicam mil caminhos: nenhum leva
ao Cristo adormecido entre capim.

O cristal do seu pranto está perfeito.
Os mugidos perduram, sempre humildes.
A mensagem de amor, o incenso, a mirra.
A palavra dos anjos ainda soa,
mas já não racha o muro dos ouvidos
que, por nada escutar, ficaram moucos.

Por isso nosso amor é diferente:
imperfeito e aleijado – um fogo surdo
que apenas arde, queima, e não aclara
o nosso obscuro e inútil coração.

No pecado, que é nosso abismo e amparo,
está no entanto a chave, humana e esquiva,
do mundo que nos coube e o seu mistério,
– se aprendermos a amar. Aquém de amar
o pássaro no azul, importa amar
tão simplesmente o pássaro, sem céu.

Amar (sem recompensa), por exemplo,
a carne repelida porque enorme
e inerme, e azeda, e amarga, após o abraço.
E amar, sem tornar vil, nossa alma de homem
– aí, frágil, desvairada alma, tão grande
para abrigar tão mínima aventura,
com sua podridão angustiada
que nos consome porque não sabemos
o caminho que leva à manjedoura.

Em: “O Andarilho da Manhã: 1953-1955”

A Pequena Cidade de Belém
(Carol Sheli Cantrell: artista norte-americana)

Referência:

MELLO, Thiago de. Poema de Natal, quase de amor. In: __________. Vento geral: 1951-1981. Poesia. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1984. p. 149-150.


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