A poetisa descreve-se altamente “produzida” para a noite de Natal,
embora julgue que seja um “desperdício”, porque, talvez, não vá ter um encontro
com ninguém. Às pessoas que entram e saem, imagino, de sua morada, ela concede um
“beijo técnico”, porque não está em paz consigo mesma...
Eis aí um claro exemplar da poesia confessional de Ana C. Cesar, a
revelar ao leitor as lutas internas que a fazem “brigar” com Freud a todo
instante, e que, salvo engano, poderiam denunciar o estado capaz de a levar ao
ato final de sua própria vida, mal chegara aos trinta anos.
J.A.R. – H.C.
Ana Cristina Cesar
(1952-1983)
Noite de Natal
Noite de Natal.
Estou bonita que é um
desperdício.
Não sinto nada
Não sinto nada, mamãe
Esqueci
Menti de dia
Antigamente eu sabia
escrever
Hoje beijo os
pacientes na entrada e na saída
com desvelo técnico.
Freud e eu brigamos
muito.
Irene no céu
desmente: deixou de
trepar aos 45 anos
Entretanto sou moça
estreando um bico
fino que anda feio,
pisa mais que deve,
me leva indesejável
pra perto das
botas pretas
pudera
Armando a Árvore de Natal
(Betty Maud C. Fagan:
artista inglesa)
Referência:
CESAR, Ana Cristina. Noite de Natal. In: __________. A teus
pés. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2016. p. 66. (‘Poesia de Bolso’)
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