De um poeta sergipano que, a seu tempo, foi considerado um dos maiores
bibliófilos brasileiros, temos este longo poema com quadras rimadas apenas no
segundo e quarto versos de cada estrofe, cujo tema é a linda manhã de um dia de
Natal.
Um dia de Natal, é bom que se diga, num país de clima tropical, como o
Brasil, haja vista que as cenas descritas pelo poeta são luminosas, com céu
azul e muito vento a açoitar as moitas dos capinzais, em pleno dezembro.
J.A.R. – H.C.
Campo de Papoulas Vermelhas
(Valery Rybakow:
pintor bielorusso)
Flores do Natal
À Exma. Sra. Dª Narcisa Amália
Ah, vinde ver como é
linda
esta manhã de Natal!
O vento passa e
murmura
nas moitas do
capinzal!
Quantas flores pelo
mato!
quanto regato a
correr!
quanta harmonia nos
ares,
à hora do amanhecer!
Canta o grilo no
folhiço,
canta a cigarra
também
e ouve-se o canto das
aves
das outras bandas de
além.
Tudo é bonito e
festivo;
parece o céu mais
azul;
somente um cirrus rendado
se dirige para o sul.
O pau d’arco da
fazenda,
inda ontem tão
despido,
vestiu-se de flores
roxas,
e amanheceu tão
garrido,
que a gente, ao vê-lo,
parece sentir n’alma
um desafogo,
e o sabor das
amarguras
esquece-se desde
logo.
Ah, vinde ver! O
sereno
escorre mais
transparente
por sobre as flores
cheirosas
da pindobeira
nascente.
Vinde comigo. A
fazenda
rumoreja satisfeita,
toda enfeitada de murta,
que em arcos verdes
se ajeita.
As flores rescendera
tanto
por aqui em de redor,
que não há cheiro que
seja
mais são, mais grato
e melhor.
É um gosto olhar o
mato
tão lustroso e verde,
assim,
como se um óleo
aromático
ele escorresse de si.
Ali, no pátio do
rancho
maior de toda a
fazenda,
com umas palmas de
pindoba,
armou-se espaçosa
tenda.
Socou-se o chão bem
certinho,
puseram folpas por
cima,
e agora, aos sons da
viola
turba de negros se
anima.
No salão desafogado
da casa-grande ajeitaram
um presepe, com umas
varas
flexíveis que
encurvaram.
E ali, em redor da
lapa,
está um grupo
embasbacado,
mirando atento os
bonecos
de papelão recortado:
A matutina morena,
corada, forte e
bonita,
com o seu cabelo
enrolado,
e seu vestido de
chita,
beija contrita o menino
que na lapa está deitado (*),
olhando tímida, a
furto,
o noivo que se acha
ao lado.
Tudo é tão plácido e
alegre!
Faz tão bem ao
coração
olhar toda aquela
gente
em fervorosa oração!
Ah, vinde ver como é
linda
esta manhã de Natal!
quando passa o vento
murmura
nas moitas do
capinzal.
Viana, dezembro de 1871
(Celso Magalhães)
Em: “A República”; Rio de Janeiro; 15
jun. 1872.
Vendedor de Flores no Natal
(Tom Roberts: artista
australiano)
Nota:
(*) Versos de uma cantiga popular.
Referência:
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