Embevecida, a poetisa contempla o casario da cidade, cujo nome consta em
seu próprio nome. Ali, percebe o colorido e as linhas arquitetônicas desiguais
de suas construções, antigas e dignas de serem pintadas em telas pelos
artistas.
Lisboa inspira em todos que a visitam, segundo Irene, coisas delicadas e
sentimentais – e cuida de não ir mais além na descrição da urbe, para não
desnaturar o quadro que, à sua frente, a mantém em êxtase.
J.A.R. – H.C.
Irene Lisboa
(1892-1958)
Demoro-me
Demoro-me
à frente desta
janela,
surpreendida e
recolhida.
Quem nesta hora me
pintasse...
pintaria a mulher
que busca o
embevecimento,
que goza
e quer gozar
um fugaz momento
de contemplação.
Noto
(não estou informando
o hipotético
pintor...)
que levanto um braço
para traçar,
ou para segurar.
Para lá da janela,
muito para lá,
cavalgando uns
telhados,
próximos e velhos,
avulta,
ergue-se a cidade.
Um belo monte de
casas
repartidas
e sobrepostas...
mas igualadas
e confundidas
na cor
e nos contornos
por uma finíssima
neblina,
cinzenta ou azul.
Ó romântico cômoro!
Ó cidade antiga
e de pintura!
Risonha, velada e
longínqua...
Quem te saberá
descrever?
De ti dizer
aquelas preciosas
coisas,
delicadas e
sentimentais
que a todos inspiras?
Reparo nos canos
esbeltos
das fábricas,
altos e cónicos,
e acho que a mão
(suponhamos que houve
mão,
propósito de
traçar...)
que os colocou
na amálgama baixa
das casas,
sabia quanto era
engenhosa
e caprichosa
a desuniformização
das linhas.
Que mais vejo?
Nada... já nada estou
vendo...
E capaz sou de
desnaturar,
de falsear o
verdadeiro quadro,
a momentânea
impressão
que me teve
extática...
(Jaroslaw J. Gruzewski: artista polonês)
Referência:
LISBOA, Irene. Demoro-me. In: TORGAL,
Adosinda Providência; BOTELHO, Clotilde Correia (Organização e Nota Prévia). Lisboa com seus poetas: colectânea de
poesia sobre Lisboa. Lisboa, PT: Publicações Dom Quixote, 2000. p. 53-55.
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