Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Irene Lisboa - Demoro-me

Embevecida, a poetisa contempla o casario da cidade, cujo nome consta em seu próprio nome. Ali, percebe o colorido e as linhas arquitetônicas desiguais de suas construções, antigas e dignas de serem pintadas em telas pelos artistas.

Lisboa inspira em todos que a visitam, segundo Irene, coisas delicadas e sentimentais – e cuida de não ir mais além na descrição da urbe, para não desnaturar o quadro que, à sua frente, a mantém em êxtase.

J.A.R. – H.C.

Irene Lisboa
(1892-1958)

Demoro-me

Demoro-me
à frente desta janela,
surpreendida e recolhida.
Quem nesta hora me pintasse...
pintaria a mulher
que busca o embevecimento,
que goza
e quer gozar
um fugaz momento
de contemplação.
Noto
(não estou informando
o hipotético pintor...)
que levanto um braço
para traçar,
ou para segurar.

Para lá da janela,
muito para lá,
cavalgando uns telhados,
próximos e velhos,
avulta,
ergue-se a cidade.
Um belo monte de casas
repartidas
e sobrepostas...
mas igualadas
e confundidas

na cor
e nos contornos
por uma finíssima neblina,
cinzenta ou azul.
Ó romântico cômoro!
Ó cidade antiga
e de pintura!
Risonha, velada e longínqua...
Quem te saberá descrever?
De ti dizer
aquelas preciosas coisas,
delicadas e sentimentais
que a todos inspiras?

Reparo nos canos esbeltos
das fábricas,
altos e cónicos,
e acho que a mão
(suponhamos que houve mão,
propósito de traçar...)
que os colocou
na amálgama baixa
das casas,
sabia quanto era engenhosa
e caprichosa
a desuniformização
das linhas.

Que mais vejo?
Nada... já nada estou vendo...
E capaz sou de desnaturar,
de falsear o verdadeiro quadro,
a momentânea impressão
que me teve extática...

Rossio
(Jaroslaw J. Gruzewski: artista polonês)

Referência:

LISBOA, Irene. Demoro-me. In: TORGAL, Adosinda Providência; BOTELHO, Clotilde Correia (Organização e Nota Prévia). Lisboa com seus poetas: colectânea de poesia sobre Lisboa. Lisboa, PT: Publicações Dom Quixote, 2000. p. 53-55.

Nenhum comentário:

Postar um comentário