O poeta rejeita a concepção de que a poesia deva servir como lenitivo
para as dores da vida, muito embora ela possa, por vezes, também ser “orvalho” –
vivenciado por aqueles que são ponto fora da curva em relação ao áspero ou ao inclemente da realidade.
Revela desse modo a poesia não apenas o lado belo da vida, como também a sua
faceta mais “sórdida” ou “suja”: o sujeito que sai de casa com a roupa de brim
branco muito bem engomada tem, assim, o seu programa sustado de forma inopinada,
quando um caminhão lhe lança lama nas vestes. Assim também o fenômeno poético, a
causar impacto e surpresa no leitor, levando-o ao “desespero”.
J.A.R. – H.C.
Manuel Bandeira
(1886-1968)
Caricatura de Paulo Cavalcante
Nova Poética
Vou lançar a teoria
do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia
há a marca suja da vida.
Vai um sujeito.
Sai um sujeito de
casa com a roupa de brim branco
muito bem engomada, e
na primeira esquina
passa um caminhão,
salpica-lhe o paletó
ou a calça de uma
nódoa de lama:
É a vida.
O poema deve ser como
a nódoa no brim:
Fazer o leitor
satisfeito de si dar o desespero.
Sei que a poesia é
também orvalho,
Mas este fica para as
menininhas, as estrelas alfas,
as virgens cem por
cento e as amadas
que envelheceram sem
maldade.
19 de maio de 1949
Em: “Belo Belo”
Passeio pela Cidade
(Dmitri Danish:
artista ucraniano)
Referência:
BANDEIRA, Manuel. Nova Poética. In:
__________. Bandeira de bolso: uma
antologia poética. Organização e apresentação de Mara Jardim. Porto Alegre, RS:
L&PM, 2013. p. 120. (L&PM Pocket; v. 675)
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