Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Henry Bataille - As recordações

As recordações de pessoas que fizeram diferença em nossas vidas, por vezes, tornam-se tão indeléveis que perduram a magoar enquanto vivemos. Parece ser o caso a que o dramaturgo e poeta francês se refere: já não consegue, sequer, vaguear pelos cômodos da casa onde morou com seus falecidos pais.

Além disso, há certa espécie de gradação em tais recordações, umas mais incisivas, recorrentes, nítidas, outras já mais diáfanas, mais esmaecidas, de sorte que a memória pode perder em precisão ao relembrá-las. Para o bem ou para o mal!

J.A.R. – H.C.

Henry Bataille
(1872-1922)

Les souvenirs

Les souvenirs, ce sont des chambres sans serrures,
Des chambres vides où l’on n’ose plus entrer,
Parce que de vieux parents jadis y moururent.
On vit dans la maison où sont ces chambres closes.
On sait qu’elles sont là comme à leur habitude,
Et c’est la chambre bleu, et c’est la chambre rose…

La maison se remplit ainsi de solitude,
Et l’on y continue à vivre en souriant…
J’accueille quand il veut le souvenir qui passe,
Je lui dis: “Mets-toi là... Je reviendrai te voir...”
Je sais toute ma vie qu’il est bien à sa place,
Mais j’oublie quelquefois de revenir le voir. –
Ils sont ainsi beaucoup dans la vieille demeure.
Ils se sont résignés à ce qu’on les oublie.
Et si je ne viens pas ce soir ni tout à l’heure,
Ne demandez pas à mon coeur plus qu’à la vie...
Je sais qu’ils dorment là, derrière les cloisons,
Je n’ai plus le besoin d’aller les reconnaître;
De la route je vois leurs petites fenêtres, –
Et ce sera jusqu’à ce que nous en mourions.
Pourtant je sens parfois, aux ombres quotidiennes,
Je ne sais quelle angoisse froide, quel frisson,
Et ne comprenant pas d’où ces douleurs proviennent,
Je passe…
Or, chaque fois, c’est un deuil qui se fait,
Un trouble est en secret venu nous avertir
Qu’un souvenir est mort ou qu’il s’en est allé…
On ne distingue pas très bien quel souvenir,
Parce qu’on est vieux, on ne se souvient guère…

Pourtant, je sens en moi se fermer des paupières.

(Le Beau Voyage)

As Recordações
(Charles L. Peterson: artista norte-americano)

As recordações

As recordações são aposentos sem fechaduras,
Aposentos abertos onde já não se ousa mais entrar,
Porque os velhos pais outrora ali morreram.
Vivemos na casa cujos aposentos se encontram fechados,
Sabe-se que eles permanecem ali, como de hábito,
E este é o aposento azul, este outro o rosa...

A casa se enche assim de solidão,
E ali se continua a viver sorrindo...
Dou as boas-vindas, quando chega, à recordação que passa.
Digo-lhe: “Senta-te lá... Eu voltarei a te ver...”
Sei que em toda minha vida ela bem mantém-se em seu lugar,
Porém me esqueço, algumas vezes, de voltar a vê-la. –
Tantas são elas, desse modo, na velha casa.
Estão resignadas a que se lhes esqueçam.
E se eu não vier nesta noite ou em breve
Não se exija ao meu coração mais do que à vida...
Sei que dormitam ali, atrás das paredes,
Já não preciso lá ir para reconhecê-las;
A partir da estrada posso ver suas janelas, –
E até que venhamos a expirar, assim será.
No entanto, às vezes sinto, em meio às sombras quotidianas,
Não sei que fria angústia, que emoção,
E não compreendo de onde provêm essas dores,
Eu passo...
Porém, a cada vez, é um luto que se estabelece,
E um distúrbio em segredo vem nos avisar,
Que uma recordação está morta ou já se foi...
Não se distingue muito bem qual recordação,
Porque é muito antiga, e não há quem dela se lembre...

Em todo caso, sinto que me fecham as pálpebras.

(A Bela Viagem)

Referência:

BATAILLE, Henry. Les souvenirs. PAYEN, Louis (Publ.) Anthologie des matinées poétiques de la comédie française. 1re. année. Saisons: 1920-1921. Paris, FR: Librairie Delagrave, 1923. p. 85-86.

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