As recordações de pessoas que fizeram diferença em nossas vidas, por
vezes, tornam-se tão indeléveis que perduram a magoar enquanto vivemos. Parece
ser o caso a que o dramaturgo e poeta francês se refere: já não consegue, sequer,
vaguear pelos cômodos da casa onde morou com seus falecidos pais.
Além disso, há certa espécie de gradação em tais recordações, umas mais
incisivas, recorrentes, nítidas, outras já mais diáfanas, mais esmaecidas, de
sorte que a memória pode perder em precisão ao relembrá-las. Para o bem ou para
o mal!
J.A.R. – H.C.
Henry Bataille
(1872-1922)
Les souvenirs
Les souvenirs, ce
sont des chambres sans serrures,
Des chambres vides où
l’on n’ose plus entrer,
Parce que de vieux
parents jadis y moururent.
On vit dans la maison où sont ces chambres closes.
On sait qu’elles sont là comme à leur habitude,
Et c’est la chambre bleu, et c’est la chambre rose…
La maison se remplit
ainsi de solitude,
Et l’on y continue à
vivre en souriant…
J’accueille quand il
veut le souvenir qui passe,
Je lui dis: “Mets-toi
là... Je reviendrai te voir...”
Je sais toute ma vie
qu’il est bien à sa place,
Mais j’oublie quelquefois
de revenir le voir. –
Ils sont ainsi beaucoup dans la vieille demeure.
Ils se sont résignés
à ce qu’on les oublie.
Et si je ne viens pas
ce soir ni tout à l’heure,
Ne demandez pas à mon
coeur plus qu’à la vie...
Je sais qu’ils dorment
là, derrière les cloisons,
Je n’ai plus le besoin d’aller les reconnaître;
De la route je vois
leurs petites fenêtres, –
Et ce sera jusqu’à ce
que nous en mourions.
Pourtant je sens
parfois, aux ombres quotidiennes,
Je ne sais quelle
angoisse froide, quel frisson,
Et ne comprenant pas d’où ces douleurs proviennent,
Je passe…
Or, chaque fois, c’est
un deuil qui se fait,
Un trouble est en secret venu nous avertir
Qu’un souvenir est mort ou qu’il s’en est allé…
On ne distingue pas très bien quel souvenir,
Parce qu’on est vieux, on ne se souvient guère…
Pourtant, je sens en
moi se fermer des paupières.
(Le Beau Voyage)
As Recordações
(Charles L. Peterson:
artista norte-americano)
As recordações
As recordações são
aposentos sem fechaduras,
Aposentos abertos
onde já não se ousa mais entrar,
Porque os velhos pais
outrora ali morreram.
Vivemos na casa cujos aposentos se encontram fechados,
Sabe-se que eles
permanecem ali, como de hábito,
E este é o aposento
azul, este outro o rosa...
A casa se enche assim
de solidão,
E ali se continua a
viver sorrindo...
Dou as boas-vindas,
quando chega, à recordação que passa.
Digo-lhe: “Senta-te
lá... Eu voltarei a te ver...”
Sei que em toda minha
vida ela bem mantém-se em seu lugar,
Porém me esqueço,
algumas vezes, de voltar a vê-la. –
Tantas são elas,
desse modo, na velha casa.
Estão resignadas a
que se lhes esqueçam.
E se eu não vier nesta
noite ou em breve
Não se exija ao meu
coração mais do que à vida...
Sei que dormitam ali,
atrás das paredes,
Já não preciso lá ir
para reconhecê-las;
A partir da estrada
posso ver suas janelas, –
E até que venhamos a
expirar, assim será.
No entanto, às vezes
sinto, em meio às sombras quotidianas,
Não sei que fria
angústia, que emoção,
E não compreendo de
onde provêm essas dores,
Eu passo...
Porém, a cada vez, é
um luto que se estabelece,
E um distúrbio em
segredo vem nos avisar,
Que uma recordação
está morta ou já se foi...
Não se distingue
muito bem qual recordação,
Porque é muito
antiga, e não há quem dela se lembre...
Em todo caso, sinto
que me fecham as pálpebras.
(A Bela Viagem)
Referência:
BATAILLE, Henry. Les souvenirs. PAYEN, Louis (Publ.) Anthologie des matinées poétiques de la
comédie française. 1re. année. Saisons: 1920-1921. Paris, FR: Librairie
Delagrave, 1923. p. 85-86.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário