Já se foram muitas postagens neste blog com criações metapoéticos, cada
qual, à sua maneira, tentando definir ou conceituar o fazer poético, suas
funções, suas formas de evidenciação, suas técnicas, seus efeitos, seus
mistérios – se os há.
Eis aqui mais um: o poeta espanhol Biedma considera haver mais técnica
que sentimento nesse “jogo de fazer versos”, nesse vício solitário no qual se adentra,
no início, sem a malícia das criações plagiárias, mas que, em última instância,
não passa da conjugação de vocação com algum trabalho.
J.A.R. – H.C.
Jaime Gil de Biedma
(1929-1990)
El juego de hacer versos
El juego de hacer
versos
– que no es un juego
– es algo
parecido en principio
al placer solitario.
Con la primera muda,
en los años
nostálgicos
de nuestra
adolescencia,
a escribir empezamos.
Y son nuestros poemas
del todo imaginarios
– demasiado
inexpertos,
ni siquiera plagiamos
–
porque la Poesía
es un ángel abstracto
y, como todos ellos,
predispuesto a
halagarnos.
El arte es otra cosa
distinta. El
resultado
de mucha vocación
y un poco de trabajo.
Aprender a pensar
en renglones contados
– y no en los
sentimientos
con que nos
exaltábamos –,
tratar con el idioma
como si fuera mágico
es un buen ejercicio,
que llega a
emborracharnos.
Luego está el
instrumento
en su punto afinado:
la mejor poesía
es el verbo hecho
tango.
Y los poemas son
un modo que adoptamos
para que nos
entiendan
y que nos entendamos.
Lo que importa
explicar
es la vida, los
rasgos
de su filantropía,
las noches de sus
sábados.
La manera que tiene
sobre todo en verano
de ser un paraíso.
aunque, de vez en
cuando,
si alguna de esas
noches
que las carga el
diablo
uno piensa en la
historia
de estos últimos
años,
si piensa en esta
vida
que nos hace pedazos
de madera podrida,
perdida en un
naufragio,
la conciencia le pesa
– por estar
intentando
persuadirse en
secreto
de que aún es
honrado.
El juego de hacer
versos,
que no es un juego,
es algo
que acaba
pareciéndose
al vicio solitario.
En: “Moralidades” (1966)
Imersa na leitura: um retrato
de Sofia Kramskoya,
a esposa do pintor
(Ivan Kramskoi:
pintor russo)
O jogo de fazer versos
O jogo de fazer
versos
– que não é um jogo –
é algo
parecido em princípio
ao prazer solitário.
Com a primeira muda,
nos anos nostálgicos
de nossa
adolescência,
a escrever começamos.
E são nossos poemas
de todo imaginários
– demasiado inexpertos,
nem sequer plagiamos.
porque a Poesia
é um anjo abstrato
e, como todos eles,
predisposto a
lisonjear-nos.
A arte é outra coisa
distinta. O resultado
de muita vocação
e um pouco de
trabalho.
Aprender a pensar
em linhas contadas
– e não nos
sentimentos
com que nos exaltávamos
–
tratar com o idioma
como se fosse mágico
é um bom exercício,
que chega a
inebriar-nos.
Logo está o instrumento
em seu ponto afinado:
a melhor poesia
é o verbo feito
tango.
E os poemas são
um modo que adotamos
para que nos entendam
e que nos entendamos.
O que importa
explicar
é a vida, os traços
de sua filantropia,
as noites de seus
sábados.
A maneira que tem
sobretudo no verão
de ser um paraíso.
ainda que, vez por
outra,
se alguma dessas
noites
carregadas pelo diabo
alguém pensa na
história
destes últimos anos,
se pensa nesta vida
que nos faz pedaços
de madeira
apodrecida,
perdida num
naufrágio,
pesa-lhe a
consciência
– por estar tentando
persuadir-se em
segredo
de que ainda é
honrado.
O jogo de fazer
versos,
que não é um jogo, é algo
que acaba por se
parecer
ao vício solitário.
Em: “Moralidades” (1966)
Referência:
BIEDMA, Jaime Gil de. El juego de hacer
versos. In: VOUTSA, Styliani. Constantinos
Cavafis y Jayme Gil de Biedma: dos poetas, una concepción vital y estética.
1. ed. Salamanca, ES: Ediciones Universidad de Salamanca, 2012. p. 256-258.
(“Colección Vítor”; v. 316)
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