Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 6 de novembro de 2016

Carl Sandburg - O povo continuará

Tem-se aqui a seção 107 do livro “The people, yes” (“O povo, sim”), de 1936, cujo autor é o poeta norte-americano Carl Sandburg, de ascendência sueca. Para ele, os povos são “bigornas desgastadas”, contra as quais os muitos martelos da opressão têm cedido.

Sob tal perspectiva, há na mensagem do poema certo clima de esperança ativa, mesmo em face dos contratempos vivenciados pelos mais carentes, como o desemprego e a baixa autoestima, ao refluxo das crises econômicas e dos conflitos bélicos.

J.A.R. – H.C.

Carl Sandburg
(1878-1967)

The people will live on

The people will live on.
The learning and blundering people will live on.
They will be tricked and sold and again sold
And go back to the nourishing earth for rootholds,
The people so peculiar in renewal and comeback,
You can’t laugh off their capacity to take it.
The mammoth rests between his cyclonic dramas.

The people so often sleepy, weary, enigmatic,
is a vast huddle with many units saying:
“I earn my living.
I make enough to get by
and it takes all my time.
If I had more time
I could do more for myself
and maybe for others.
I could read and study
and talk things over
and find out about things.
It takes time.
I wish I had the time.”

The people is a tragic and comic two-face:
hero and hoodlum: phantom and gorilla
twisting to moan with a gargoyle mouth:
“They buy me and sell me...it’s a game...
sometime I’ll break loose...”

Once having marched
Over the margins of animal necessity,
Over the grim line of sheer subsistence
Then man came
To the deeper rituals of his bones,
To the lights lighter than any bones,
To the time for thinking things over,
To the dance, the song, the story,
Or the hours given over to dreaming,
Once having so marched.

Between the finite limitations of the five senses
and the endless yearnings of man for the beyond
the people hold to the humdrum bidding of work and food
while reaching out when it comes their way
for lights beyond the prison of the five senses,
for keepsakes lasting beyond any hunger
or death.
This reaching is alive.
The panderers and liars have violated and smutted it.
Yet this reaching is alive yet
for lights and keepsakes.

The people know the salt of the sea
and the strength of the winds
lashing the corners of the earth.
The people take the earth
as a tomb of rest and a cradle of hope.
Who else speaks for the Family of Man?
They are in tune and step
with constellations of universal law.
The people is a polychrome,
a spectrum and a prism
held in a moving monolith,
a console organ of changing themes,
a clavilux of color poems
wherein the sea offers fog
and the fog moves off in rain
and the labrador sunset shortens
to a nocturne of clear stars
serene over the shot spray
of northern lights.

The steel mill sky is alive.
The fire breaks white and zigzag
shot on a gun-metal gloaming.
Man is a long time coming.
Man will yet win.
Brother may yet line up with brother:
This old anvil laughs at many broken hammers.
There are men who can’t be bought.
The fireborn are at home in fire.
The stars make no noise,
You can’t hinder the wind from blowing.
Time is a great teacher.
Who can live without hope?

In the darkness with a great bundle of grief
the people march.
In the night, and overhead a shovel of stars for keeps,
the people march:
“Where to? what next?”

Aldeões comem, bebem e fumam
do lado de fora da morada
(Gillis van Tilborgh: pintor flamengo)

O povo continuará

O povo continuará.
Aprendendo ou fazendo loucuras o povo continuará.
Será logrado, vendido e revendido
e voltará à mãe-terra para nutrir suas raízes.
O povo é tão bizarro ao progredir e regredir,
que não podemos rir de sua capacidade de topar a parada.
O mamute descansa entre os seus dramas ciclônicos.

O povo tantas vezes indolente, cansado, enigmático,
é um vasto amontoado de indivíduos a falar:
“Vou ganhando a vida.
Faço o que é preciso pra ir levando
e isso me come o tempo todo.
Se eu tivesse mais tempo
podia fazer mais pra mim mesmo
e talvez prós outros.
Podia ler e estudar,
discutir as coisas,
descobrir certas coisas.
Mas isso toma tempo.
Ah, se eu tivesse tempo!”

O povo tem duas caras, uma trágica, a outra cômica:
herói e desordeiro: espectro e gorila,
geme com sua boca torta de gárgula:
“Eles me compram e me vendem... não passo dum jogo...
um dia eu me solto...”

Depois de haver ultrapassado
as margens da necessidade animal,
a linha feroz da mera subsistência,
o homem chegou afinal
aos ritos mais profundos de seus ossos,
às luzes mais leves que os ossos,
chegou ao tempo de repensar as coisas,
à dança, à canção, ao conto,
chegou às horas doadas ao devaneio,
depois de ter ultrapassado a linha.

Entre as numeráveis limitações dos cinco sentidos
e os anseios infindos do homem pelo eterno,
o povo se agarra ao chato imperativo
de trabalhar e comer, enquanto faz um gesto,
quando se apresenta a ocasião
para as luzes além da prisão dos cinco sentidos,
para dádivas mais duradouras que a fome
ou a morte.
Esse gesto mantém-se vivo.
Proxenetas e mentirosos o violaram e enxovalharam.
Mas continua vivo esse gesto
estendido às luzes e às dádivas.

O povo conhece o sal do mar
e a força dos ventos
que chicoteiam as esquinas da terra.
O povo vê a terra
como a cova do descanso e o berço da esperança.
Quem mais fala em nome da família Humana?
O povo anda afinado
com as constelações da lei universal.
O povo é policromia,
espectro e prisma,
apresado num monólito que se move,
um órgão a soar temas cambiantes,
clavilux de poemas coloridos
nos quais o mar oferece névoa
e a névoa se dissipa em chuva
e o poente do Labrador se reduz
a um noturno de estrelas limpas,
sereno, acima do jorro em chuveiro
das luzes boreais.

O céu das usinas de aço está vivo.
O fogo irrompe em branco ziguezague
detonado dum crepúsculo metálico.
O homem está vindo atrasado.
O homem contudo vencerá.
Irmão pode ainda marchar ao lado de irmão:
esta velha bigorna se ri de muito martelo partido.
Há homens que não se vendem.
Quem nasce no fogo, vive bem no fogo.
Estrelas não fazem barulho.
Ninguém pode segurar o vento.
O tempo tudo ensina.
Quem vai viver sem esperança?

Na escuridão, com um grande fardo de aflições,
o povo marcha.
Na noite, com uma pazada de estrelas no alto,
para sempre o povo marcha.
“Pra onde? Mais o quê ainda?”

Referências:

Em Inglês

SANDBURG, Carl. The people will live on. In: __________. The people, yes. First harvest edition. Orlando, FL: Hartcourt Brace & Company, 1990. p. 284-286.

Em Português

SANDBURG, Carl. O povo continuará. In: CAMPOS, Paulo Mendes. Os melhores poemas de Paulo Mendes Campos. Poemas traduzidos. Seleção de Guilhermino Cesar. São Paulo, SP: Global, 1990. p. 193-195. (“Os Melhores Poemas”; v. 22)

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