O gato cinzento do poeta é como uma onça-anã, indolente, que já não sai
à caça de suas presas, nem pervaga telhados ou mansardas em busca de parceiras
que lhe permitam um pouco de prazer ao luar.
Gosta mesmo é de ficar cochilando a ronronar entre as almofadas dos
divãs ou canapés, mal abrindo as pálpebras para contemplar o que há à volta com
os seus olhos verdes: tornou-se, assim, um professor da tranquilidade e do
silêncio.
J.A.R. – H.C.
Cassiano Ricardo
(1895-1974)
O Gato Cinzento
Ei-lo, quieto, a
cismar, como em grave sigilo,
vendo tudo através a
cor verde dos olhos,
onça que não cresceu,
hoje é um gato tranquilo.
A sua vida é um “manso
lago”, sem escolhos...
Não ama a lua, nem
telhado a velho estilo.
De uma rica almofada
entre os suaves refolhos,
prefere ronronar, em
gracioso cochilo,
vendo tudo através a
cor verde dos olhos.
Poderia ser mau,
fosforescente espanto,
pequenino terror dos
pássaros; no entanto,
se fez um professor
de silêncio e virtude.
Gato que sonha assim,
se algum dia o entenderdes,
vereis quanto é feliz
uma alma que se ilude,
e olha a vida através
a cor de uns olhos verdes.
Em: “A Flauta de Pã” (1918)
Gato Cinzento na Sombra
(Diane Hoeptner:
pintora norte-americana)
Referência:
RICARDO, Cassiano. O gato cinzento. In:
__________. Vamos caçar papagaios:
1928-1940. I - Poesias Completas. São Paulo, SP: Companhia Editora Nacional,
1947. p. 13.
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