O poeta teoriza sobre o fazer poético e a sua importância para preencher-nos
de algum significado – se, de outro modo, não optarmos pela nostalgia ou pelo
vinho –, caso nos dermos o tempo necessário para contemplar de modo sereno
nossas vidas, por vezes saturada de ações que não passam de subterfúgios
para... “matar o tempo”.
Ao recordar e imaginar as árvores de Dublin, Hierro preenche o seu
próprio vazio, carente de nostalgia, vinho e ação. Mas o que vê, de fato, não é
Dublin, a capital da Irlanda – conjecturada como pura “alucinação” –, senão
Madrid, a sua própria cidade.
J.A.R. – H.C.
José Hierro
(1922-2002)
Teoría y Alucinación de Dublín
I. Teoría
Un instante vacío
de acción puede
poblarse solamente
de nostalgia o de
vino.
Hay quien lo llena de
palabras vivas,
de poesía (acción
de espectros, vino
con remordimiento).
Cuando la vida se
detiene,
se escribe lo pasado
o lo imposible
para que los demás
vivan aquello
que ya vivió (o que
no vivió) el poeta.
Él no puede dar vino,
nostalgia a los
demás: sólo palabras.
Si les pudiese dar
acción...
La poesía es como el
viento,
o como el fuego, o
como el mar.
Hace vibrar árboles,
ropas,
abrasa espigas, hojas
secas,
acuna en su oleaje
los objetos
que duermen en la playa.
La poesía es como el
viento,
o como el fuego, o
como el mar:
da apariencia de vida
a lo inmóvil, a lo
paralizado.
Y el leño que arde,
las conchas que las
olas traen o llevan,
el papel que arrebata
el viento,
destellan una vida
momentánea
entre dos
inmovilidades.
Pero los que están
vivos,
los henchidos de
acción,
los palpitantes de
nostalgia o vino,
esos... felices,
bienaventurados,
porque no necesitan
las palabras,
como el caballo
corre, aunque no sople el viento,
y vuela la gaviota,
aunque esté seco el mar,
y el hombre llora, y canta,
proyecta y edifica,
aun sin el fuego.
II. Alucinación
Me acuerdo de los
árboles de Dublín.
(Imaginar y recordar
se superponen y
confunden;
pueblan,
entrelazados, un instante
vacío con idéntica
emoción.
Imaginar y
recordar...)
Me acuerdo de los
árboles de Dublín...
Alguien los vive y
los recuerdo yo.
De los árboles caen
hojas doradas
sobre el asfalto de
Madrid.
Crujen bajo mis pies,
sobre mis hombros,
acarician mis manos,
quisieran exprimirme
el corazón.
No sé si lo
consiguen...
Imaginar y
recordar...
Hay un momento que no
es mío,
no sé si en el
pasado, en el futuro,
si en lo imposible...
Y lo acaricio, lo hago
presente, ardiente,
con la poesía.
No sé si lo recuerdo
o lo imagino.
(Imaginar y recordar
me llenan
el instante vacío.)
Me asomo a la
ventana.
Fuera no es Dublín lo
que veo,
sino Madrid. Y,
dentro, un hombre
sin nostalgia, sin
vino, sin acción,
golpeando la puerta.
Es un espectro
que persigue a otro
espectro del pasado:
el espectro del
viento, de la mar,
del fuego – ya sabéis
de qué hablo –, espectro
que pueda hacer que
cante, hacer que vibre
su corazón, para
sentirse vivo.
En: “Libro de las Alucinaciones” (1964)
Bewleys (Dublin) depois da chuva
(Olivia Hayes:
pintora irlandesa)
Teoria e Alucinação de Dublin
I. Teoria
Um instante vazio
de ação pode ser
povoado somente
por nostalgia ou
vinho.
Há quem o preencha com
palavras vivas,
de poesia (ação
de espectros, vinho
com remorso).
Quando a vida se
detém,
se escreve o passado
ou o impossível
para que os demais
vivam aquilo
que o poeta já viveu
(ou que não viveu).
Ele não pode dar
vinho,
nostalgia aos demais:
apenas palavras.
Se lhes pudesse dar
ação...
A poesia é como o
vento,
ou como o fogo, ou
como o mar.
Faz vibrar árvores,
roupas,
abrasa espigas,
folhas secas,
nina em seu marulho
os objetos
que dormem na praia.
A poesia é como o
vento,
ou como o fogo, ou
como o mar:
dá aparência de vida
ao imóvel, ao
paralisado.
E o lenho que arde,
as conchas que as
ondas trazem ou levam,
o papel que o vento
arrebata,
cintilam uma vida
momentânea
entre duas imobilidades.
Porém os que estão
vivos,
os cumulados por
ação,
os que palpitam por
nostalgia ou vinho,
esses... felizes,
bem-aventurados,
porque não têm
necessidade das palavras,
como o cavalo corre,
mesmo que não sopre o vento,
e a gaivota voa,
ainda que o mar esteja seco,
e o homem chora, e
canta,
projeta e edifica,
mesmo sem o fogo.
II. Alucinação
Lembro-me das árvores
de Dublin.
(Imaginar e recordar
se superpõem e
confundem;
povoam, entrelaçados,
um instante
vazio com idêntica
emoção.
Imaginar e
recordar...)
Lembro-me das árvores
de Dublin.
Alguém as vive e eu
as recordo.
Das árvores caem
folhas douradas
sobre o asfalto de
Madrid.
Farfalham sob meus
pés, sobre meus ombros,
acariciam minhas
mãos,
talvez quisessem
oprimir-me o coração
Não sei se o
conseguem...
Imaginar e
recordar...
Há um momento que não
é meu,
não sei se no
passado, no futuro,
se no impossível...
Eu o acaricio, faço-o
presente, ardente,
com a poesia.
Não sei se o recordo
ou o imagino.
(Imaginar e recordar
preenchem-me
o instante vazio.)
Projeto-me à janela.
Fora não é Dublin o
que vejo,
senão Madrid. E,
dentro, um homem
sem nostalgia, sem
vinho, sem ação,
batendo a porta.
Em: “Livro das Alucinações” (1964)
Referência:
HIERRO, José. Teoría y alucinación de Dublín.
In: RUBIO, Fanny; FALCÓ, José Luis (Sellección, estudio y notas). Poesia española contemporánea: historia
y antología (1939-1980). 1. ed. Madrid (ES): Editorial Alhambra, 1981. p. 234-236.
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