Em sua obra-prima, aclamada e influente até os dias de hoje, o poeta
latino descreve o enredo mitológico da criação do homem, de forma muito
distinta, é claro, da metáfora bíblica do livro do Gênesis.
Ovídio destaca o fato de o homem, diversamente ao que ocorre com os
outros animais – os quais, segundo ele, têm o rosto voltado para a terra –,
volta-se para o alto, em direção ao céu e seus outros astros, tencionando desse
modo afirmar a insigne sorte que lhe fora dispensada pelos deuses.
J.A.R. – H.C.
Públio Ovídio Naso
(43 a.C - 17/18 d.C.)
Homo
Sanctius his animal mentisque capacius altae
deerat adhuc et quod dominari in cetera posset.
Natus homo est; siue
diuino semine fecit
ille opifex rerum,
mundi melioris origo,
siue recens tellus
seductaque nuper ab alto
aethere cognati
retinebat semina caeli;
quam satus Iapeto
mixtam pluuialibus undis
finxit in effigiem
moderantum cuncta Deorum;
pronaque cum spectent
animalia cetera terram,
os homini sublime
dedit caelumque tueri
iussit et erectos ad sidera tollere uultus.
Sic, modo quae fuerat rudis et sine imagine, tellus
induit ignotas hominum conuersa figuras.
In: “Metamorphoseon”
(8 d.C.)
Prometeu Doa o Fogo à Humanidade
(Heinrich Friedrich Füger: pintor alemão)
O Homem
Um animal mais santo
que esses e mais capaz de
um espírito profundo,
e que pudesse dominar
os outros, faltava até então.
Nasceu o homem. Ou o
fez com a semente divina
aquele obreiro das
coisas, origem de um mundo melhor,
ou a terra, nova e
recentemente desviada do alto
éter, retinha
sementes do irmão, o céu.
Essa terra, misturada
com águas das chuvas, o filho
de Jápeto (*)
modelou à imagem dos
Deuses que tudo mantêm
nas medidas.
Enquanto os outros
animais, inclinados, olham a terra,
deu ao homem um rosto
que se volta para o alto
e ordenou-lhe
ver o céu; e a face
erguida, elevá-la aos astros.
Assim, a terra que,
havia pouco, fora tosca e informe,
alterada, assumiu
desconhecidas figuras humanas.
Em: “Metamorfoses” (8 d.C.)
Nota:
Jápeto - Filho incestuoso de Urano, o
céu estrelado, e Gaia, a Terra; o rebento de Jápeto a que o poeta se refere é
Prometeu, criador dos homens e doador do fogo à humanidade.
Referência:
NASO, Públio Ovídio. Homo / O homem.
Tradução de Maria da Gloria Novak. In: NOVAK, Maria da Gloria; NERY, Maria
Luiza (Orgs.). Poesia lírica latina.
Edição bilíngue. 2. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1992. Em latim: p. 218 e
220; em português: p. 219 e 221.
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