Em “Sete Estudos para a Mão Esquerda”, o poeta e tradutor carioca
discorre sobre o soneto, em meio a ponderosas reflexões metalinguísticas: são,
de fato, sete sonetos com formatação invertida – ao invés de 4-4-3-3, tem-se
3-3-4-4, a exemplo do abaixo transcrito.
O soneto selecionado expressa a ideia de que o seu autor pretende
exaltar a lembrança de uma determinada tarde. Mas quando passa dessa ideia à
redação propriamente dita do poema, o que se modifica é a própria ideia, subjugada
aos conformes da inspiração e do trabalho poético.
Ao final, o poeta reconhece que, desde o início, tratava-se de causa
perdida: seu afã de celebrar a graça de uma tarde resultou frustrado. Com a mão
esquerda, terá ele contemplado a beleza de ponta-cabeça.
J.A.R. – H.C.
Paulo Henriques Britto
(n. 1951)
Sete Estudos para a Mão Esquerda
II
Tento dizer: a tarde
tem o tom
exato de outra tarde
que conheço,
mas qual? (Mas neste
instante escuto o som
de uma outra voz, que
é minha e desconheço,
e o que ela diz é
belo, é certo e é bom.
Mas o que digo assim
não reconheço.
É como um deus de
bolso, esta presença
que o próprio gesto
de negar evoca.
A voz é dela, embora
me pertença
a música. E mais a
mão que a toca.)
Naturalmente,
enquanto isso a tarde
se apaga, anêmica,
despercebida,
e vem a noite, com
seu negro alarde.
Desde o começo a
causa era perdida.
Uma Xícara de Chá
(Pierre-Auguste
Renoir: pintor francês)
Referência:
BRITTO, Paulo Henriques. Sete estudos
para a mão esquerda: II. In: ARIJÓN, Teresa (Coord.). Puentes / Pontes. Antología bilingüe / Antologia bilíngue. Poesía
argentina y brasileña contemporánea / Poesia argentina e brasileira
contemporânea. 1. ed. Buenos Aires, AR: Fondo de Cultura Económica, 2003. p.
480.
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