A poesia é, para a autora, tal qual amante irresistível, que não a deixa
escapar aos seus engodos: lascívia e sedução que emerge depois que o “mandacaru
flora lá na seca”, a produzir sulcos dos pés à cabeça por meio de sua rígida
roda dentada.
O discurso sensual, presente neste poema de Adélia, não é meramente
incidental, senão marca que se repete em grande parte de suas obras, juntamente
com matizes religiosos e interioranos, divisas de sua indisfarçável “mineirice”.
J.A.R. – H.C.
Adélia Prado
(n. 1935)
Sedução
A poesia me pega com
sua roda dentada,
me força a escutar
imóvel
o seu discurso
esdrúxulo.
Me abraça detrás do
muro, levanta
a saia pra eu ver,
amorosa e doida.
Acontece a má coisa,
eu lhe digo,
também sou filho de
Deus,
me deixa desesperar.
Ela responde passando
a língua quente em
meu pescoço,
fala pau pra me
acalmar,
fala pedra,
geometria,
se descuida e fica
meiga,
aproveito pra me
safar.
Eu corro ela corre
mais,
eu grito ela grita
mais,
sete demônios mais
forte.
Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos
profundos.
É de ferro a roda
dentada dela.
Antes da Sedução
(William Hogarth:
artista inglês)
Referência:
PRADO, Adélia. Sedução. In: MONTELEONE,
Jorge; HOLLANDA, Heloisa Buarque (Comps.). ARIJÓN, Teresa (Coord.). Puentes / Pontes. Antología bilingüe /
Antologia bilíngue. Poesía argentina y brasileña contemporánea / Poesia
argentina e brasileira contemporânea. 1. ed. Buenos Aires, AR: Fondo de Cultura
Económica, 2003. p. 301.
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Para mim, a poesia é também uma roda dentada, de ferro quente...impossível não sentí-la!!!
ResponderExcluirimprovavel não deixá-la me transformar em vida, em sangue, em volupias...