Mais um exercício de outro poeta espanhol, lutando com as palavras para
fazê-las verter a “expressão instável” que signifique com razoável precisão o que seja a
poesia, esse ingrediente incógnito e imponderável, capaz de deixá-lo suspenso
sobre a espuma da felicidade.
A poesia pode fluir tanto pelo enlevo ou desejo despertado pelas
relações corpo a corpo, quanto pelas percepções dos estados da natureza à nossa
volta: para materializá-la, somente as palavras detemos – e quão limitadas são como
meio a expressar aos pares aquilo que,
muitas vezes, é um sentimento inconversível para o mundo das letras...
J.A.R. – H.C.
Ángel Gonzalez
(1925-2008)
Las Palabras Inútiles
Aborrezco este oficio
algunas veces:
espía de palabras,
busco,
busco
el término huidizo,
la expresión
inestable
que signifique,
exacta, lo que eres.
Inmóvil en la nada,
al margen
de la vida (hundido
en un denso silencio
sólo roto
por el batir oscuro
de mi sangre),
busco,
busco aquellas
palabras
que no existen
– quizá sirvan: delicia de tu cuello... –
que te acosan y
mueren sin rozarte,
cuando lo que quisiera
es llegar a tu cuello
con mi boca
– ...o acaso: increíble sonrisa que he besado –,
subir hasta tu boca
con mis labios,
sujetar con mis manos
tu cabeza
y ver
allá en el fondo de
tus ojos,
instantes antes de
cerrar los míos,
paz verde y luz
dormida,
claras sombras
– tal vez
fuera mejor decir: humo en la tarde,
borrosa música que llueve del otoño,
niebla que cae despacio sobre un valle –
avanzando hacia mí,
girando,
penetrándome
hasta anegar mi pecho
y levantar
mi corazón salvado,
ileso, en vilo
sobre la leve espuma
de la dicha.
En: “Palabra sobre palabra” (1965)
O Beijo Roubado
(Jean-Honoré
Fragonard: pintor francês)
As Palavras Inúteis
Detesto este ofício vez
por outra:
espião de palavras,
busco,
busco
o termo fugidio,
a expressão instável
que signifique,
exata, o que és.
Imóvel no nada, à
margem
da vida (submerso
num denso silêncio
somente rompido
pelo bater escuro do
meu sangue),
busco,
busco aquelas
palavras
que não existem
– talvez sirvam: delícia de teu pescoço... –
que te assediam e
morrem sem roçar-te,
quando muito quereria
chegar ao teu pescoço
com minha boca
– ...ou acaso: incrível sorriso que beijei –,
subir até tua boca
com meus lábios,
segurar com minhas
mãos a tua cabeça
e ver
lá no fundo de teus
olhos,
momentos antes de
fechar os meus,
paz verde e luz
adormecida,
claras sombras,
– talvez
fosse melhor dizer: fumaça na tarde,
turva música que chove do outono,
nevoeiro que cai aos poucos sobre um
vale –
avançando até mim,
girando,
penetrando-me
até inundar meu peito
e levantar
meu coração salvo,
ileso, suspenso
sobre a leve espuma do
júbilo.
Em: “Palavra sobre palavra” (1965)
Referência:
GONZÁLEZ, Ángel. Las palabras inútiles.
In: __________. Palabra sobre palabra.
Poesía completa: 1956-2001. 1. ed. aumentada. Barcelona, ES: Seix Barral, 2004.
p. 189-190. (“Los Tres Mundos”)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário