Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Ángel González - As Palavras Inúteis

Mais um exercício de outro poeta espanhol, lutando com as palavras para fazê-las verter a “expressão instável” que signifique com razoável precisão o que seja a poesia, esse ingrediente incógnito e imponderável, capaz de deixá-lo suspenso sobre a espuma da felicidade.

A poesia pode fluir tanto pelo enlevo ou desejo despertado pelas relações corpo a corpo, quanto pelas percepções dos estados da natureza à nossa volta: para materializá-la, somente as palavras detemos – e quão limitadas são como meio a expressar aos pares aquilo que, muitas vezes, é um sentimento inconversível para o mundo das letras...

J.A.R. – H.C.

Ángel Gonzalez
(1925-2008)

Las Palabras Inútiles

Aborrezco este oficio algunas veces:
espía de palabras, busco,
busco
el término huidizo,
la expresión inestable
que signifique, exacta, lo que eres.

Inmóvil en la nada, al margen
de la vida (hundido
en un denso silencio sólo roto
por el batir oscuro de mi sangre),
busco,
busco aquellas palabras
que no existen
– quizá sirvan: delicia de tu cuello... –
que te acosan y mueren sin rozarte,
cuando lo que quisiera
es llegar a tu cuello
con mi boca
– ...o acaso: increíble sonrisa que he besado –,
subir hasta tu boca
con mis labios,
sujetar con mis manos tu cabeza
y ver
allá en el fondo de tus ojos,
instantes antes de cerrar los míos,
paz verde y luz dormida,
claras sombras
– tal vez
fuera mejor decir: humo en la tarde,
borrosa música que llueve del otoño,
niebla que cae despacio sobre un valle
avanzando hacia mí,
girando,
penetrándome
hasta anegar mi pecho y levantar
mi corazón salvado, ileso, en vilo
sobre la leve espuma de la dicha.

En: “Palabra sobre palabra” (1965)

O Beijo Roubado
(Jean-Honoré Fragonard: pintor francês)

As Palavras Inúteis

Detesto este ofício vez por outra:
espião de palavras, busco,
busco
o termo fugidio,
a expressão instável
que signifique, exata, o que és.

Imóvel no nada, à margem
da vida (submerso
num denso silêncio somente rompido
pelo bater escuro do meu sangue),
busco,
busco aquelas palavras
que não existem
– talvez sirvam: delícia de teu pescoço... –
que te assediam e morrem sem roçar-te,
quando muito quereria
chegar ao teu pescoço
com minha boca
– ...ou acaso: incrível sorriso que beijei –,
subir até tua boca
com meus lábios,
segurar com minhas mãos a tua cabeça
e ver
lá no fundo de teus olhos,
momentos antes de fechar os meus,
paz verde e luz adormecida,
claras sombras,
– talvez
fosse melhor dizer: fumaça na tarde,
turva música que chove do outono,
nevoeiro que cai aos poucos sobre um vale –
avançando até mim,
girando,
penetrando-me
até inundar meu peito e levantar
meu coração salvo, ileso, suspenso
sobre a leve espuma do júbilo.

Em: “Palavra sobre palavra” (1965)

Referência:

GONZÁLEZ, Ángel. Las palabras inútiles. In: __________. Palabra sobre palabra. Poesía completa: 1956-2001. 1. ed. aumentada. Barcelona, ES: Seix Barral, 2004. p. 189-190. (“Los Tres Mundos”)

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