O falante expressa a
ideia – o seu “Credo” – de que a beleza da natureza existe para além da
percepção da humanidade, pois que ela remanesce em seu território mesmo quando o
elemento humano, mental ou consciencial, houver se esgotado, ou seja – fazendo
menção às suas próprias palavras –, o oceano pertence a si mesmo, independentemente
de como o apreendamos.
Esse ponto de vista,
decerto, contrasta com as interpretações, sobre o mesmo tema, dos
transcendentalistas norte-americanos – como Henry David Thoreau (1817-1862) ou Ralph
Waldo Emerson (1803-1882) – os quais foram sobejamente influenciados pelos
textos hinduístas sobre a filosofia da mente e a espiritualidade. Para estes, a
beleza da natureza apenas existiria a partir de nossas percepções, ou melhor, o
real consistiria somente naquilo “a que emprestamos realidade”: seríamos “um”
com a natureza e sua beleza, na medida em que a valoramos segundo nossos parâmetros
cognitivos.
J.A.R. – H.C.
Robinson Jeffers
(1887-1962)
Credo
My friend from Asia
has powers and magic,
he plucks a blue leaf
from the young blue-gum
And gazing upon it
gathering and quieting
The God in his mind,
creates an ocean more real
than the ocean, the
salt, the actual
Appalling presence,
the power of the waters.
He believes that
nothing is real except as we make it.
I humbler have found
in my blood
Bred west of Caucasus
a harder mysticism.
Multitude stands in
my mind but I think that the ocean
in the bone vault is
only
The bone vault’s
ocean: out there is the ocean’s;
The water is the
water, the cliff is the rock,
come shocks and
flashes of reality. The mind
Passes, the eye
closes, the spirit is a passage;
The beauty of things
was born before eyes
and sufficient to
itself; the heart-breaking beauty
Will remain when
there is no heart to break for it.
Em meio à Serra
Nevada, Califórnia
(Albert Bierstadt:
pintor germano-americano)
Credo
Meu amigo da Ásia tem
poderes de mágica,
tira uma folha azul
da tenra goma-guta
E olhando-a
fixamente, atraindo e acalmando
Deus em seu espírito,
cria um oceano mais real
do que o oceano, com
o sal, com o seu verdadeiro
Aspecto apavorante,
todo o poder das águas.
Ele acredita que só é
real aquilo a que emprestamos
realidade.
Em minha modéstia
encontrei em meu temperamento
Educado no Ocidente
do Cáucaso um misticismo
mais severo.
A multidão existe em
minha mente, mas eu penso
que o oceano na
ossatura da abóbada é apenas
O oceano dessa
ossatura: além está a abóbada
do oceano;
A água é a água, o
penhasco é o rochedo; vêm abalos
e relâmpagos dessa realidade.
A mente
Passa, os olhos se
fecham, o espírito é um caminho;
A beleza das coisas
nasceu antes dos olhos e basta
a si mesma; a
dolorosa beleza
Permanecerá quando
não existir mais um coração
que sofra por sua
causa.
(Tradução em ‘A
Manhã’: Rio de Janeiro, 5.5.1946)
Referências:
Em Inglês
JEFFERS, Robinson.
Credo. In: __________. The wild god of the world: an anthology of
Robinson Jeffers. Selected, with an introduction, by Albert Gelpi. Stanford
(CA): Stanford University Press, 2003. p. 48.
Em Português
JEFFERS, Robinson.
Credo. Tradução de Jorge de Lima. In: LIMA, Jorge de. Poesia completa:
volume único. Organização de Alexei Bueno. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar,
1997. p. 869. (Biblioteca luso-brasileira; Série brasileira)
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