Escritora e jornalista norte-americana, premiada com o Prêmio Pulitzer, Applebaum examina em sua obra “Twilight of Democracy” (“O Crepúsculo da Democracia”), de 2020, os desafios que a Democracia enfrenta na era digital, incluindo a disseminação de narrativas falsas, a polarização política e o papel dos algoritmos de mídia social na radicalização dos usuários, destacando a importância de se promover um debate saudável e uma narrativa compartilhada para se combater a desinformação e fortalecer o regime democrático.
O precitado tomo já
se encontra disponível em português, publicado pela Record, no Brasil, e pela Bertrand,
em Portugal: caso o internauta se interesse mais diretamente pelo teor do
livro, sugiro a prévia leitura deste
resumo-resenha elaborado pelo economista Fernando Nogueira da Costa, para
que tenha conhecimento um pouco mais minudenciado de sua proposta.
Os excertos abaixo
transcritos foram por mim selecionados e traduzidos diretamente do original em
inglês, tudo para mostrar o quanto eles deslindam as práticas recentemente promovidas
pelo governo de extrema-direita do ex-presidente Jair Bolsonaro, especialmente no
que tange às agressões sistemáticas às instituições democráticas, em especial, ao
Supremo Tribunal Federal – o qual, em última instância, acabará por selar o que
será do seu futuro político.
J.A.R. – H.C.
Anne Applebaum
(n. 1964)
Democracy in its
Twilight
In many advanced
democracies there is now no common debate, let alone a common narrative. People
have always had different opinions. Now they have different facts. At the same
time, in an information sphere without authorities – political, cultural, moral
– and no trusted sources, there is no easy way to distinguish between
conspiracy theories and true stories. False, partisan, and often deliberately
misleading narratives now spread in digital wildfires, cascades of falsehood
that move too fast for fact checkers to keep up. And even if they could, it no
longer matters: a part of the public will never read or see fact-checking
websites, and if they do they won’t believe them. [...]
The issue is not
merely one of false stories, incorrect facts, or even election campaigns and
spin doctors: the social media algorithms themselves encourage false
perceptions of the world. People click on the news they want to hear; Facebook,
YouTube, and Google then show them more of whatever it is that they already
favor, whether it is a certain brand of soap or a particular form of politics.
The algorithms radicalize those who use them too. If you click on perfectly
legitimate anti-immigration YouTube sites, for example, these can lead you
quickly, in just a few more clicks, to white nationalist sites and then to
violent xenophobic sites. Because they have been designed to keep you online,
the algorithms also favor emotions, especially anger and fear. And because the
sites are addictive, they affect people in ways they don’t expect. Anger
becomes a habit. Divisiveness becomes normal. [...] Polarization has moved from
the online world into reality.
The result is a
hyper-partisanship that adds to the distrust of “normal” politics,
“establishment” politicians, derided “experts”, and “mainstream” institutions –
including courts, police, civil servants – and no wonder. As polarization
increases, the employees of the state are invariably portrayed as having been
“captured” by their opponents. [...] It is not an accident that judges and
courts are now the object of criticism, scrutiny, and anger in so many other
places too. There can be no neutrality in a polarized world because there can
be no nonpartisan or apolitical institutions.
Morrendo pela
Democracia
(Rosanne Gartner: artista
inglesa)
A Democracia em seu
Crepúsculo
Em muitas democracias
avançadas já não existe um debate comum, muito menos uma narrativa comum. As
pessoas sempre tiveram opiniões diferentes. Agora têm fatos diferentes. Ao
mesmo tempo, em uma esfera de informação sem autoridades – políticas,
culturais, morais – e sem fontes confiáveis, não existe uma maneira fácil de
distinguir entre teorias de conspiração e histórias verdadeiras. Narrativas
falsas, partidárias e, amiúde, deliberadamente enganosas difundem-se agora como
incêndios digitais, como cascatas de falsidades que se propagam rápido demais
para que os verificadores de fatos as possam averiguar. E, mesmo que pudessem,
isso já não importa: parte do público jamais lerá ou verá websites de checagem
de fatos e, se o fizer, não lhes dará crédito. [...]
Não se trata somente
de histórias falsas, fatos incorretos ou mesmo campanhas eleitorais e
marquetagem política desonestas: os próprios algoritmos das mídias sociais
fomentam falsas percepções do mundo. As pessoas clicam apenas nas notícias que
lhes interessam escutar; e então o Facebook, o YouTube e o Google mostram-lhes
ainda mais do que sejam suas prévias preferências, quer se trate de uma certa
marca de sabonete ou uma forma particular de política. Os algoritmos também
radicalizam os usuários. Se alguém clica, por exemplo, em canais anti-imigração
perfeitamente legítimos no YouTube, este podem levá-lo rapidamente, com apenas
mais alguns cliques, a canais que estimulam o supremacismo branco e, logo após,
a canais que incitam à mais violenta xenofobia. Como foram projetados para
manter o usuário on-line, os algoritmos também favorecem as emoções,
especialmente a raiva e o medo. E, como os sites são viciantes, eles afetam as
pessoas de maneiras inesperadas. A raiva se torna um hábito. A divisão se torna
normal. [...] A polarização passou do mundo on-line para a realidade.
O resultado é um
hiperpartidarismo que aumenta a desconfiança em relação à política “normal”,
aos políticos do “establishment”, aos ridicularizados “experts” e às
instituições do “mainstream” – incluindo os tribunais, a polícia e o
funcionalismo público –, o que não é de surpreender. À medida que aumenta a
polarização, os funcionários do Estado são invariavelmente retratados como
tendo sido “capturados” por seus oponentes. [...] Não por acaso, juízes e
tribunais agora se tornaram objeto de crítica, escrutínio e raiva em muitos
outros lugares. Num mundo polarizado não pode haver neutralidade, porque
tampouco pode haver instituições apolíticas ou apartidárias.
Referência:
APPLEBAUM, Anne. Twilight
of democracy: the seductive lure of authoritarianism. New York: Anchor
Books, 2020. p. 113-114.
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