Aquilo que é beleza e
encantamento também se exaure no precário, no efêmero, levantando-nos dúvidas
sobre os nossos pressupostos que avançam para além do limite da morte: o
incognoscível é matéria de especulação, mas preferimos manter, pelo sim pelo
não, a expectativa de que as nossas vozes hão de reverberar, ‘ad infinitum’, no
tempo e no espaço, sem o inquietante efeito atenuador.
Afligimo-nos com a morte, tanto mais que a experiência pessoal da morte é uma impossibilidade: se nela incorremos, não temos como retroceder para contar aos vivos como ela se dá. Não há experiências de morte em primeiro grau no mundo dos vivos. Quando muito, há “voos de reconhecimento” levados a efeito por pessoas que estiveram a um passo do fecho.
J.A.R. – H.C.
Vinicius de Moraes
(1913-1980)
O Efêmero
O efêmero. Ora, um
pássaro no vale
Cantou por um
momento, outrora, mas
O vale escuta ainda
envolto em paz
Para que a voz do pássaro
não cale.
E uma fonte futura,
hoje primária
No seio da montanha,
irromperá
Fatal, da pedra
ardente, e levará
À voz a melodia
necessária.
O efêmero. E mais
tarde, quando antigas
Se fizerem as flores,
e as cantigas
A uma nova emoção morrerem,
cedo
Quem conhecer o vale
e o seu segredo
Nem sequer pensará na
fonte, a sós...
Porém o vale há de
escutar a voz.
O efêmero na vida
(Otelea Lavinia:
artista romena)
Referência:
MORAES, Vinicius de. O efêmero. In: __________. Livro de sonetos. Rio de Janeiro, RJ: Livros de Portugal, jan.1957. p. 27-28. (Coleção ‘Poesia Sempre’; v. 4)
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