Não a cópia
caudatária, epígona de sonhos não realizados dos ascendentes – “colcha de
retalhos alheios” –, mas o ser autêntico, presente em corpo e espírito a cada
momento, com suas vontades próprias, seus justos anseios! Não que tal orientação
seja uma desconsideração por quem nos trouxe à vida, contudo a lição mais
meritória que os pais poderiam passar aos filhos é a do autogoverno, da autonomia,
da independência responsável no pensar e no agir.
Uma observação: os versos
alusivos à devolução à terra dos elementos químicos legados, ao mesmo tempo que
têm algo de hilariante, acabam por desvelar que a pretensa independência entre
gerações sucessivas corresponde apenas a uma hipótese em tese, passível de
verificação a muito custo no que tange ao arbítrio, mas de dubitável apuração
ao nível infra! (rs)
J.A.R. – H.C.
Paulo Bomfim
(1926-2019)
Basta de ser o outro
Basta de ser o outro…
O herdeiro da terra,
O neto de seus avós!
Basta de ser
O que leu
E o que ouviu…
À terra devolvo
O cálcio, o ferro, o
fósforo;
À nuvem devolvo a
água rubra,
Aos mortos,
As angústias
herdadas,
Aos vivos
Os gestos e as
palavras recebidas…
Basta de ser o outro,
Cobrindo um frio
verdadeiro.
O eu autêntico
(Tamara Ghandour:
artista libanesa)
Referência:
BOMFIM, Paulo. Basta
de ser o outro. In: __________. Antologia poética. São Paulo, SP:
Livraria Martins Editora, ago. 1962. p. 37.
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