Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Paulo Bomfim - Basta de ser o outro

Não a cópia caudatária, epígona de sonhos não realizados dos ascendentes – “colcha de retalhos alheios” –, mas o ser autêntico, presente em corpo e espírito a cada momento, com suas vontades próprias, seus justos anseios! Não que tal orientação seja uma desconsideração por quem nos trouxe à vida, contudo a lição mais meritória que os pais poderiam passar aos filhos é a do autogoverno, da autonomia, da independência responsável no pensar e no agir.

 

Uma observação: os versos alusivos à devolução à terra dos elementos químicos legados, ao mesmo tempo que têm algo de hilariante, acabam por desvelar que a pretensa independência entre gerações sucessivas corresponde apenas a uma hipótese em tese, passível de verificação a muito custo no que tange ao arbítrio, mas de dubitável apuração ao nível infra! (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

Paulo Bomfim

(1926-2019)

 

Basta de ser o outro

 

Basta de ser o outro…

O herdeiro da terra,

O neto de seus avós!

Basta de ser

O que leu

E o que ouviu…

À terra devolvo

O cálcio, o ferro, o fósforo;

À nuvem devolvo a água rubra,

Aos mortos,

As angústias herdadas,

Aos vivos

Os gestos e as palavras recebidas…

Basta de ser o outro,

Colcha de retalhos alheios,

Cobrindo um frio verdadeiro.

 

O eu autêntico

(Tamara Ghandour: artista libanesa)

 

Referência:

 

BOMFIM, Paulo. Basta de ser o outro. In: __________. Antologia poética. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, ago. 1962. p. 37.

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