Escrito pelo autor
pouco antes do seu falecimento, em 1930, este poema revela o estado agônico de
Lawrence com a enfermidade que o assolara – a tuberculose – e, ao mesmo tempo,
a fé e a esperança, de conteúdo algo profético, no advento de “uma nova manhã,
um homem novo”, depois que a experiência desta vida se converter no mais absoluto
oblívio.
Aceitar a morte com serenidade, em
face de uma doença incapacitante ou terminal, descortinando esse
processo como a sucessão inescapável das estações temporais: no rigor do
inverno, obstruem-se as sendas por onde corre a vida, sobrevindo um vale de sombras, onde o
espírito míngua até ser resgatado pela luz renovadora do Criador.
J.A.R. – H.C.
D. H. Lawrence
(1885-1930)
Shadows
And if tonight my
soul may find her peace
in sleep, and sink in
good oblivion,
and in the morning
wake like a new-opened flower
then I have been
dipped again in God, and new-created.
And if, as weeks go
round, in the dark of the moon
my spirit darkens and
goes out, and soft strange gloom
pervades my movements
and my thoughts and words
then I shall know
that I am walking still
with God, we are
close together now the moon’s in shadow.
And if, as autumn
deepens and darkens
I feel the pain of
falling leaves, and stems that break in storms
and trouble and
dissolution and distress
and then the softness
of deep shadows folding,
folding around my
soul and spirit, around my lips
so sweet, like a
swoon, or more like the drowse of a low, sad song
singing darker than
the nightingale, on, on to the solstice
and the silence of
short days, the silence of the year, the shadow,
then I shall know that
my life is moving still
with the dark earth,
and drenched
with the deep
oblivion of earth’s lapse and renewal.
And if, in the
changing phases of man’s life
I fall in sickness
and in misery
my wrists seem broken
and my heart seems dead
and strength is gone,
and my life
is only the leavings
of a life:
and still, among it
all, snatches of lovely oblivion, and snatches
of renewal
odd, wintry flowers
upon the withered stem, yet new,
strange flowers
such as my life has
not brought forth before, new blossoms of me –
then I must know that
still
I am in the hands of
the unknown God,
he is breaking me
down to his own oblivion
to send me forth on a
new morning, a new man.
In: “Last Poems”
(1932)
Em busca do mistério
(Pat Gullett: artista
norte-americana)
Sombras
E se esta noite a
minha alma encontrar a sua paz
no sono, e mergulhar
em doce olvido
e de manhã acordar
como flor recém-aberta –
então é porque eu
mergulhei outra vez em Deus, fui recriado.
E, se na ronda das
semanas, no escuro da lua,
meu espírito se
turvar e partir, e uma suave, estranha melancolia
impregnar meus
pensamentos, minhas palavras, meus gestos –
então saberei que
estou caminhando ainda
com Deus, nós estamos
bem perto, agora que a lua ensombrou.
E se quando o outono
se aprofundar e escurecer
eu sentir a dor das
folhas tombando, e dos caules quebrados
nas tempestades,
e o mal-estar e a
dissolução e a angústia,
e depois a maciez de
sombras profundas fechando-se, fechando-se
sobre a minha alma,
meu espírito, meus lábios,
tão doce como um
desmaio, ou como a sonolência de cantilena
triste, em surdina,
soando mais sombria
que o rouxinol e ressoando até o solstício
e o silêncio dos dias
encurtados, o silêncio do ano, da sombra –
então saberei que
minha vida move-se ainda
junto com a terra
escura, encharcada
do fundo oblívio do
declínio e do renascer da terra.
E, se nas fases
mutáveis da vida do homem,
eu mergulhar em
doença e miséria,
meus pulsos como que
partidos, meu coração como morto
e a força esgotada, e
minha vida
não mais que resíduos
de uma vida:
e se ainda, em meio a
tudo isso, vislumbres de adorável olvido,
vislumbres de
renovação,
estranhas flores de
inverno sobre hastes ressecadas, mas novas,
estranhas flores
tais como minha vida
nunca antes gerou, floradas novas de
mim mesmo –
então saberei que
ainda
estou nas mãos do
Deus desconhecido,
ele me está
prostrando até o seu próprio oblívio
para enviar-me a uma
nova manhã, um homem novo.
Em: “Últimos Poemas”
(1932)
Referência:
LAWRENCE, D. H.
Shadows / Sombras. Tradução de Aíla de Oliveira Gomes. In: __________. Alguma
poesia. Seleção, tradução e introdução de Aíla de Oliveira Gomes. Edição
bilíngue. São Paulo, SP: T. A. Queiroz, 1991. Em inglês: p. 188 e 190; em
português: p. 189 e 191. (‘Biblioteca de Letras e Ciências Humanas’; série 2ª,
textos; v. 6)
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