Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Yehuda Amichai - O homem não tem tempo

Para cada par antitético de ações humanas – amar e odiar, remir e castigar, edificar e derruir –, diz o poeta israelense que não há estações próprias ao longo da vida, estando equivocado o discurso sentencioso do Eclesiastes, pois tudo o que se faça (ou se deixe de fazer) integra um ‘continuum’, mesmo à conta de uma dialética de contrastes.

 

Quando o outono aponta no horizonte, os galhos ressequidos da figueira prognosticam “o lugar onde há tempo para tudo”, ponto a partir do qual se costuma relatar que há uma cisão entre o corpo – erradio e “amador”, em suas experiências subalternas aos sentidos – e a alma – “experiente e profissional”, ao assimilar as melhores práticas e lições quotidianas: a eternidade pós-morte é esse copioso lapso sem marcos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Yehuda Amichai

(1924-2000)

 

O homem não tempo

 

O homem não tem tempo

para tudo na vida.

Ele não tem uma época

para cada um de seus desejos.

O Eclesiastes não está certo.

 

O homem precisa odiar

e amar ao mesmo tempo,

com os mesmos olhos chorar

e com os mesmos olhos rir,

com a mesma mão atirar pedras

e com a mesma mão recolhê-las,

fazer amor na guerra e guerra no amor.

 

Odiar e perdoar, lembrar e esquecer,

organizar e confundir, comer e digerir

o que a história

faz ao longo de muitos e muitos anos.

 

O homem na vida não tem tempo.

Quando ele perde ele procura,

quando ele acha ele esquece,

quando ele esquece ele ama

e quando ele ama começa a esquecer.

 

A alma dele é preparada,

é bastante profissional,

somente o corpo é sempre

amador. Tenta e erra,

não aprende, confunde-se

bêbado, cego nos prazeres e nas dores.

 

A morte dos figos é no outono,

encarquilhados, cheios de si e doces,

as folhas secam sobre a terra,

os galhos nus já apontam

o lugar onde há tempo para tudo.

 

A Figueira

(Adrian Paul Allinson: pintor inglês)

 

Referência:

 

AMICHAI, Yehuda. O homem não tem tempo. Tradução de Moacir Amâncio. In: __________. Terra e paz: antologia poética. Organização e tradução de Moacir Amâncio. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Bazar do Tempo, 2018. p. 19-20.

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