Ao ler, ou melhor, ao
se analisar os versos deste dolente poema de Stevens, logo se percebe o contraste
colimado pelo autor entre o particular e o universal, uma vez que este, s.m.j.,
abstém-se de atribuir qualquer significado ilimitado ao “grito” das folhas, à margem,
portanto, do que se costuma dizer uma “parte do todo”.
Não sem motivo
ambientado no inverno, o poema debruça-se sobre o “nada” hibernal e suas
singularidades, seus poucos contrastes ainda revelados pelas “sombras frias” e pela
“neve moldada” talvez pelos ventos: desvestido de maiores significados, de “fantasias”,
o mundo torna-se restrito à “coisa em si” – um atritar de folhas chorosas, cujo
clamor desponta como a “última descoberta do ouvido”.
J.A.R. – H.C.
Wallace Stevens
(1879-1955)
The course of a particular
Today the leaves cry,
hanging on branches swept by wind,
Yet the nothingness
of winter becomes a little less.
It is still full of
icy shades and shapen snow.
The leaves cry... One
holds off and merely hears the cry.
It is a busy cry, concerning
someone else.
And though one says
that one is part of everything,
There is a conflict,
there is a resistance involved;
And being part is an
exertion that declines:
One feels the life of
that which gives life as it is.
The leaves cry. It is
not a cry of divine attention,
Nor the smoke-drift
of puffed-out heroes, nor human cry.
It is the cry of
leaves that do not transcend themselves,
In the absence of
fantasia, without meaning more
Than they are in the
final finding of the ear, in the thing
Itself, until, at
last, the cry concerns no one at all.
In: “Opus Posthumous”
(1957)
Folhas Invernais
(Terry Evans: artista
inglês)
O percurso de um
pormenor
Hoje as folhas
gritam, em galhos que o vento varre,
Porém o nada do
inverno atenua um pouco,
Ainda pleno de
sombras frias e neve moldada.
As folhas gritam... Há
que conter-se e ouvir apenas.
É um grito prático,
que diz algo a outro alguém.
E mesmo em quem se
diz parte do todo
Há um conflito, há
uma resistência aqui,
E ser parte é um
esforço que declina:
Sente-se a vida do
que dá a vida tal qual é.
As folhas gritam. Não
é grito de atenção divina,
Nem fumaça de herói
que se extinguiu, nem grito humano.
É grito de folhas que
não se transcendem,
Na ausência da
fantasia, dizendo apenas
Que estão na
descoberta última do ouvido, na coisa
Em si, até que o
grito, enfim, não diz nada a ninguém.
Em: “Últimos Poemas”
(1957)
Referência:
STEVENS, Wallace. The
course of a particular / O percurso de um pormenor. Tradução de Paulo Henriques
Britto. In: __________. O imperador do sorvete e outros poemas. Seleção,
tradução, apresentação e notas de Paulo Henriques Britto. 1. ed. rev. e ampl. São
Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. Em inglês: p. 274; em português: p. 275.
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