Eis um poema engraçado, no qual a genitora de uma ansiosa, mas astuta
aniversariante, narra o sucedido no dia em que a garota completava os seus sete
anos, exata idade em que, no cristianismo, se considera que já se é capaz de
fazer uso da razão, podendo o miúdo tomar parte nos sacramentos da confissão e
da comunhão.
Com efeito, tendo a guria
chegado à “idade da razão”, porque não fazer prevalecer as suas vontades –
comer um pedaço de bolo antes do jantar ou abrir, mais que imediatamente, os pacotes
dos presentes?! Mas os desejos têm lá os seus expedientes sub-reptícios,
insidiosos, quando imoderados, podendo nos levar a arder nas labaredas do inferno
– como bem o observa o seu avô materno.
J.A.R. – H.C.
Mary Jo Salter
(n. 1954)
The Age of Reason
“When can we have
cake?” she wants to know.
And patiently we
explain: when dinner’s finished.
Someone wants seconds;
and wouldn’t she like to try,
while she’s waiting,
a healthful lettuce leaf?
The birthday girl
can’t hide her grief –
worse, everybody
laughs. That makes her sink
two rabbity, gapped
teeth, acquired this year,
into a quivering lip,
which puts an end
to tears but not the
tedium she’ll take
in life before she’s
given cake:
“When I turned seven,
now,” her grandpa says,
“the priest told me
I’d reached the age of reason.
That means you’re old
enough to tell what’s right
from wrong. Make
decisions on your own.”
Her big eyes
brighten. “So you mean
I can decide to open
presents first?”
Laughter again (she
joins it) as the reward
of devil’s food is
brought in on a tray.
“You know why we were
taught that?” asks my father.
“No.” I light a
candle, then another
in a chain. “– So we
wouldn’t burn in Hell.”
A balloon pops in the
other room; distracted,
she innocently misses
talk of nuns’
severities I never
knew at seven.
By then, we were
Unitarian
and marched off
weekly, dutifully, to hear
nothing in particular.
“Ready!”
I call, and we huddle
close to sing
something akin, you’d
have to say, to prayer.
Good God, her hair –
one beribboned
pigtail has swung low
as she leans to trade
the year in for a wish;
before she blows it
out, the camera’s flash
captures a mother’s
hand, all hope, no blame,
saving her from the
flame.
Soprando as Velas
(Doron Wolf: pintor
israelense)
A Idade da Razão
“Quando é que podemos
comer o bolo”, ela quer saber.
E pacientemente lhe
explicamos: quando findo o jantar.
Alguém suspira por
segundos; será que ela não apreciaria,
enquanto espera, uma
saudável folha de alface?
A aniversariante não
consegue esconder o seu pesar –
e o que é pior, todos
riem. Isso a leva a afundar
dois dentes,
cuniculares e afastados, adquiridos este ano,
sobre um lábio
trêmulo, o que faz cessar
as lágrimas, mas não
o tédio que há de suportar
na vida, antes que
lhe deem um pedaço de bolo:
“Logo que completei
sete anos”, contou-lhe o avô,
“o padre me disse que
havia atingido a idade da razão.
Isso significa ter tino
suficiente para distinguir o certo
do errado. Tome
decisões por sua própria conta”.
Seus grandes olhos
rebrilham. “Então quer dizer
que posso decidir
abrir os presentes primeiro?”
Mais risos (aos quais
ela se junta), enquanto a paga
pelo pasto dos diabos
lhe é entregue numa bandeja.
“Você sabe o motivo
dessa preleção?”, pergunta-lhe meu pai.
“Não”. Eu acendo uma
vela e depois outra,
numa sequência. “–
Para não queimarmos no Inferno”.
Um balão estoura na
outra sala; distraída,
ela inocentemente sente
falta de falar sobre a severidade
das monjas, da qual
jamais tive noção aos sete anos.
A essa altura, já
éramos Unitaristas e saíamos
semanalmente, com o
devido respeito, para ouvir
nada em particular.
“Pronto!”
Convoco a todos para
aproximar-nos e cantarmos
algo parecido,
haveria que se dizer, a uma prece.
Meu Deus, o cabelo
dela – um rabo de cavalo
adornado com fitas –
moveu-se para baixo, no exato instante
em que ela se inclina
para trocar o ano por um desejo;
antes que o apague, o
flash da câmera captura
a mão de uma mãe,
toda esperança, sem remorsos,
salvando-a da chama.
Referência:
SALTER, Mary Jo. The age of reason. In: GIOIA, Dana; MASON, David; SCHOERKE, Meg (Eds.); STONE, D. C. (Cont.). Twentieth-century american poetry. 1st ed. Boston, MA: McGraw-Hill, 2003. p. 1023.
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