Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Mary Jo Salter - A Idade da Razão

Eis um poema engraçado, no qual a genitora de uma ansiosa, mas astuta aniversariante, narra o sucedido no dia em que a garota completava os seus sete anos, exata idade em que, no cristianismo, se considera que já se é capaz de fazer uso da razão, podendo o miúdo tomar parte nos sacramentos da confissão e da comunhão.

 

Com efeito, tendo a guria chegado à “idade da razão”, porque não fazer prevalecer as suas vontades – comer um pedaço de bolo antes do jantar ou abrir, mais que imediatamente, os pacotes dos presentes?! Mas os desejos têm lá os seus expedientes sub-reptícios, insidiosos, quando imoderados, podendo nos levar a arder nas labaredas do inferno – como bem o observa o seu avô materno.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mary Jo Salter

(n. 1954)

 

The Age of Reason

 

“When can we have cake?” she wants to know.

And patiently we explain: when dinner’s finished.

Someone wants seconds; and wouldn’t she like to try,

while she’s waiting, a healthful lettuce leaf?

The birthday girl can’t hide her grief –

 

worse, everybody laughs. That makes her sink

two rabbity, gapped teeth, acquired this year,

into a quivering lip, which puts an end

to tears but not the tedium she’ll take

in life before she’s given cake:

 

“When I turned seven, now,” her grandpa says,

“the priest told me I’d reached the age of reason.

That means you’re old enough to tell what’s right

from wrong. Make decisions on your own.”

Her big eyes brighten. “So you mean

 

I can decide to open presents first?”

Laughter again (she joins it) as the reward

of devil’s food is brought in on a tray.

“You know why we were taught that?” asks my father.

“No.” I light a candle, then another

 

in a chain. “– So we wouldn’t burn in Hell.”

A balloon pops in the other room; distracted,

she innocently misses talk of nuns’

severities I never knew at seven.

By then, we were Unitarian

 

and marched off weekly, dutifully, to hear

nothing in particular. “Ready!”

I call, and we huddle close to sing

something akin, you’d have to say, to prayer.

Good God, her hair –

 

one beribboned pigtail has swung low

as she leans to trade the year in for a wish;

before she blows it out, the camera’s flash

captures a mother’s hand, all hope, no blame,

saving her from the flame.

 

Soprando as Velas

(Doron Wolf: pintor israelense)

 

A Idade da Razão

 

“Quando é que podemos comer o bolo”, ela quer saber.

E pacientemente lhe explicamos: quando findo o jantar.

Alguém suspira por segundos; será que ela não apreciaria,

enquanto espera, uma saudável folha de alface?

A aniversariante não consegue esconder o seu pesar –

 

e o que é pior, todos riem. Isso a leva a afundar

dois dentes, cuniculares e afastados, adquiridos este ano,

sobre um lábio trêmulo, o que faz cessar

as lágrimas, mas não o tédio que há de suportar

na vida, antes que lhe deem um pedaço de bolo:

 

“Logo que completei sete anos”, contou-lhe o avô,

“o padre me disse que havia atingido a idade da razão.

Isso significa ter tino suficiente para distinguir o certo

do errado. Tome decisões por sua própria conta”.

Seus grandes olhos rebrilham. “Então quer dizer

 

que posso decidir abrir os presentes primeiro?”

Mais risos (aos quais ela se junta), enquanto a paga

pelo pasto dos diabos lhe é entregue numa bandeja.

“Você sabe o motivo dessa preleção?”, pergunta-lhe meu pai.

“Não”. Eu acendo uma vela e depois outra,

 

numa sequência. “– Para não queimarmos no Inferno”.

Um balão estoura na outra sala; distraída,

ela inocentemente sente falta de falar sobre a severidade

das monjas, da qual jamais tive noção aos sete anos.

A essa altura, já éramos Unitaristas e saíamos

 

semanalmente, com o devido respeito, para ouvir

nada em particular. “Pronto!”

Convoco a todos para aproximar-nos e cantarmos

algo parecido, haveria que se dizer, a uma prece.

Meu Deus, o cabelo dela – um rabo de cavalo

 

adornado com fitas – moveu-se para baixo, no exato instante

em que ela se inclina para trocar o ano por um desejo;

antes que o apague, o flash da câmera captura

a mão de uma mãe, toda esperança, sem remorsos,

salvando-a da chama.

 

Referência:

 

SALTER, Mary Jo. The age of reason. In: GIOIA, Dana; MASON, David; SCHOERKE, Meg (Eds.); STONE, D. C. (Cont.). Twentieth-century american poetry. 1st ed. Boston, MA: McGraw-Hill, 2003. p. 1023.

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