Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

José Saramago - A Questão Palestina

Criticando a tendência de se ver o “outro” como inimigo, Saramago começa por rejeitar a ideia de que apenas certos grupos humanos têm o direito de afirmar sua identidade. O autor português não hesita em rotular as ações do governo sionista de Israel como crime contra a humanidade, destacando a necessidade de se levar os responsáveis a um Tribunal Penal Internacional, considerando a situação grave de um genocídio continuado há décadas, perpetrado contra o povo palestino.

 

Mesmo hoje se percebe o interesse econômico por trás dessa intervenção de Israel em Gaza, dividindo a faixa em duas e escorraçando a população para a região sul, com o firme propósito de se apropriar – como já fizera em extensos territórios da Cisjordânia e de outras regiões atribuídas ao Estado Palestino, jamais constituído – quer da região norte quer do litoral adiante, onde se situam enormes reservas de gás a serem exploradas em favor das potências ocidentais, EUA e Europa à frente.

 

Tudo muito hipocritamente disfarçado sobre uma suposta guerra contra o Hamas, na verdade um simples álibi para as ações infames de Israel contra o povo palestino, em especial mulheres e crianças que nada têm a ver com o conflito.

 

O jogo velado das ações dos EUA e de Israel não logra acobertar o claro interesse de manter dominância nas regiões do Oriente Médio, contando com o apoio crucial do expansivo complexo industrial-militar norte-americano, tudo para fazer frente aos propósitos da China em estender a denominada “Rota da Seda” até a região oeste da Ásia, envolvendo o Irã e outros países de língua árabe.

 

Em poucas décadas, uma guerra de muito maiores proporções haverá de acontecer: quem viver, verá! E assim caminha a humanidade!

 

P.s.: Cada pronunciamento de Saramago é seguido pelo número da página onde consta na obra referenciada ao final da postagem; as ênfases em negrito são de minha autoria.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Saramago

(1922-2010)

 

A Questão Palestina: palavras contundentes!

 

Os homens e as mulheres ontem, os judeus e os palestinos hoje: fico pasmo com a incapacidade de os seres humanos viverem juntos no respeito mútuo. Como se o outro devesse necessariamente ser um inimigo. O outro é simplesmente o outro. O outro é como eu. Ele tem o direito de dizer “eu”. Nós, homens brancos, civilizados e ricos, não aceitamos que o outro diga eu. (p. 157-158)

 

“José Saramago: ‘Il faudrait réformer la démocratie’”, L’Orient le Jour, Beirute, 2 de agosto de 2007 [Entrevista a Lucie Geffroy].

 

Ω

 

É preciso fazer um alerta no mundo inteiro para dizer que o que acontece hoje na Palestina é um crime que podemos conter. Podemos compará-lo ao que ocorreu em Auschwitz. É a mesma coisa, embora tenhamos sempre em mente as diferenças de tempo e lugar. (p. 431)

 

“Lo que ocurre en Palestina puede compararse con Auschwitz: Saramago”, La Jornada, Cidade do México, 26 de março de 2002 [Texto da AFP].

 

Ω

 

O que está acontecendo em Israel contra os palestinos é um crime contra a humanidade. Os palestinos são vítimas de crimes contra a humanidade cometidos pelo governo de Israel com o aplauso de seu povo. (p. 432)

 

“Saramago: ‘Palestina es como Auschwitz’”, BBC Mundo, Londres, 30 de março de 2002 [Entrevista a José Vericat].

 

Ω

 

Se a denominada comunicação social estivesse interessada em divulgar com verdade o que eu disse na Palestina [no dia 25 de março de 2002], teria de informar que não comparei os fatos de Ramallah aos fatos de Auschwitz, mas sim o espírito de Auschwitz ao espírito de Ramallah… Já era então patente a qualquer pessoa a quem a prudência não fizesse fechar os olhos. Não sendo a prudência uma das minhas virtudes, limitei-me a antecipar o que o exército israelita (esse que um grande intelectual judeu, o professor Leibowitz, no princípio dos anos 90, classificou como judeu-nazi) não fez depois mais que confirmar. (p. 432)

 

“Escrevi o romance para resolver o choque entre uma admiração e uma rejeição sem limites”, Público, Lisboa, 27 de maio de 2002 [Entrevista a Adelino Gomes].

 

Ω

 

Espero o dia em que serão levados diante de um Tribunal Internacional os políticos e os militares de Israel responsáveis pelo genocídio do qual o povo palestino tem sido vítima nos últimos sessenta anos. Pois, como escrevi há alguns meses, “enquanto houver um palestino vivo, continuará o holocausto”. (p. 436)

 

“Rettifica: Saramago Israele e la Palestina”, La Repubblica, Roma, 3 de julho de 2007 [Entrevista a Leonetta Bentivoglio].

 

Ω

 

Os governos ocidentais reservam a classificação de terrorista para os atos de violência indiscriminada realizados por ativistas que não agem enquadrados por uma organização estatal e se negam a reconhecer a existência do terrorismo de Estado. Aproveitam-se do fato de que o terrorismo puro não pretende se esconder – ao contrário, se esforça ao máximo para que a sociedade saiba de sua existência –, enquanto o terrorismo de Estado faz todo o possível para se tornar “invisível”, porque é tanto mais eficaz quanto mais despercebido passa. (p. 467)

 

“José Saramago: ‘Israel es rentista del Holocausto’”, em Javier Ortiz (org.), ¡Palestina existe!, Madri, Foca, 2002 [Entrevista a Javier Ortiz].

 

A Hipocrisia Ocidental: Israel e EUA à frente!

 

A guerra dos Estados Unidos contra o Iraque não se justifica porque não foi provada nenhuma das acusações que se fazia ao país. E não vale dizer que os Estados Unidos interferiram no Iraque para acabar com um tirano, porque eles não interferiram em muitíssimos países onde foram responsáveis por colocar no poder os respectivos tiranos. Então vamos acabar com essa hipocrisia. Sabemos muito bem que os Estados Unidos precisavam controlar o petróleo do Iraque. E não é só isso. É o controle de todo o Oriente Médio. Controlar a região significa abrir as portas para a Ásia, onde está um país chamado China, com o qual mais cedo ou mais tarde os Estados Unidos vão ter que se confrontar. De resto, essa formação do império americano começou a ser desenhada nos anos 20, depois da Primeira Guerra Mundial. (p. 433)

 

“A democracia esvaziada”, O Globo, Rio de Janeiro, 10 de maio de 2003 [Entrevista a Manya Millen].

 

Ω

 

A fisionomia fascista dos Estados Unidos hoje é bastante completa. O que antes era um objeto mais ou menos disfarçado está hoje aí, exposto com clareza e plenamente. (p. 435)

 

“José Saramago: Cuba irradia solidaridad”, Juventud Rebelde, Havana, 19 de junho de 2005 [Entrevista a Rosa Miriam Elizalde].

 

Ω

 

Os Estados Unidos são realmente odiados por uma parte do mundo e objeto de desconfiança e receio de outra. Ganharam tudo à força com suas torpezas e arbitrariedades, com sua soberba e sua insolência, com suas mentiras e seus abusos, com o seu quero tudo e mando em tudo. E agora se queixam. É preciso ser muito hipócrita. (p. 437)

 

“Conversaciones con José Saramago”, Contrapunto de América Latina, Buenos Aires, n. 9, julho-setembro de 2007 [Entrevista a Pilar del Río].

 

Ω

 

A ameaça à segurança mundial está neste momento centrada nos Estados Unidos. A mais perigosa ameaça à segurança mundial está nesse país. (p. 468)

 

“Existe un muro de silencio sobre lo que pasa en Chiapas, sostiene Saramago”, La Jornada, Cidade do México, 15 de maio de 2003 [Correspondência de César Güemes].

 

Referência:

 

SARAMAGO, José. As palavras de Saramago. Organização e seleção de Fernando Gómez Aguilera. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2010.

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