Criticando a
tendência de se ver o “outro” como inimigo, Saramago começa por rejeitar a
ideia de que apenas certos grupos humanos têm o direito de afirmar sua
identidade. O autor português não hesita em rotular as ações do governo
sionista de Israel como crime contra a humanidade, destacando a necessidade de
se levar os responsáveis a um Tribunal Penal Internacional, considerando a
situação grave de um genocídio continuado há décadas, perpetrado contra o povo
palestino.
Mesmo hoje se percebe
o interesse econômico por trás dessa intervenção de Israel em Gaza, dividindo a
faixa em duas e escorraçando a população para a região sul, com o firme
propósito de se apropriar – como já fizera em extensos territórios da
Cisjordânia e de outras regiões atribuídas ao Estado Palestino, jamais
constituído – quer da região norte quer do litoral adiante, onde se situam enormes
reservas de gás a serem exploradas em favor das potências ocidentais, EUA e
Europa à frente.
Tudo muito
hipocritamente disfarçado sobre uma suposta guerra contra o Hamas, na verdade
um simples álibi para as ações infames de Israel contra o povo palestino, em especial
mulheres e crianças que nada têm a ver com o conflito.
O jogo velado das
ações dos EUA e de Israel não logra acobertar o claro interesse de manter
dominância nas regiões do Oriente Médio, contando com o apoio crucial do
expansivo complexo industrial-militar norte-americano, tudo para fazer frente
aos propósitos da China em estender a denominada “Rota da Seda” até a região oeste
da Ásia, envolvendo o Irã e outros países de língua árabe.
Em poucas décadas,
uma guerra de muito maiores proporções haverá de acontecer: quem viver, verá! E
assim caminha a humanidade!
P.s.: Cada
pronunciamento de Saramago é seguido pelo número da página onde consta na obra
referenciada ao final da postagem; as ênfases em negrito são de minha autoria.
J.A.R. – H.C.
José Saramago
(1922-2010)
A Questão Palestina:
palavras contundentes!
Os homens e as
mulheres ontem, os judeus e os palestinos hoje: fico pasmo com a incapacidade
de os seres humanos viverem juntos no respeito mútuo. Como se o outro devesse necessariamente
ser um inimigo. O outro é simplesmente o outro. O outro é como eu. Ele tem o direito
de dizer “eu”. Nós, homens brancos, civilizados e ricos, não aceitamos que o
outro diga eu. (p. 157-158)
“José Saramago: ‘Il
faudrait réformer la démocratie’”, L’Orient le Jour, Beirute, 2 de agosto de
2007 [Entrevista a Lucie Geffroy].
Ω
É preciso fazer um
alerta no mundo inteiro para dizer que o que acontece hoje na Palestina é um
crime que podemos conter. Podemos compará-lo ao que ocorreu em Auschwitz. É
a mesma coisa, embora tenhamos sempre em mente as diferenças de tempo e lugar.
(p. 431)
“Lo que ocurre en
Palestina puede compararse con Auschwitz: Saramago”, La Jornada, Cidade do México,
26 de março de 2002 [Texto da AFP].
Ω
O que está
acontecendo em Israel contra os palestinos é um crime contra a humanidade. Os
palestinos são vítimas de crimes contra a humanidade cometidos pelo governo de
Israel com o aplauso de seu povo. (p. 432)
“Saramago: ‘Palestina
es como Auschwitz’”, BBC Mundo, Londres, 30 de março de 2002 [Entrevista a José
Vericat].
Ω
Se a denominada
comunicação social estivesse interessada em divulgar com verdade o que eu disse
na Palestina [no dia 25 de março de 2002], teria de informar que não comparei
os fatos de Ramallah aos fatos de Auschwitz, mas sim o espírito de Auschwitz ao
espírito de Ramallah… Já era então patente a qualquer pessoa a quem a prudência
não fizesse fechar os olhos. Não sendo a prudência uma das minhas virtudes, limitei-me
a antecipar o que o exército israelita (esse que um grande intelectual judeu, o
professor Leibowitz, no princípio dos anos 90, classificou como judeu-nazi) não
fez depois mais que confirmar. (p. 432)
“Escrevi o romance
para resolver o choque entre uma admiração e uma rejeição sem limites”,
Público, Lisboa, 27 de maio de 2002 [Entrevista a Adelino Gomes].
Ω
Espero o dia em que
serão levados diante de um Tribunal Internacional os políticos e os militares
de Israel responsáveis pelo genocídio do qual o povo palestino tem sido vítima
nos últimos sessenta anos. Pois, como escrevi há alguns meses, “enquanto houver
um palestino vivo, continuará o holocausto”. (p. 436)
“Rettifica: Saramago
Israele e la Palestina”, La Repubblica, Roma, 3 de julho de 2007 [Entrevista a
Leonetta Bentivoglio].
Ω
Os governos
ocidentais reservam a classificação de terrorista para os atos de violência indiscriminada
realizados por ativistas que não agem enquadrados por uma organização estatal e
se negam a reconhecer a existência do terrorismo de Estado. Aproveitam-se do
fato de que o terrorismo puro não pretende se esconder – ao contrário, se
esforça ao máximo para que a sociedade saiba de sua existência –, enquanto o
terrorismo de Estado faz todo o possível para se tornar “invisível”, porque é
tanto mais eficaz quanto mais despercebido passa. (p. 467)
“José Saramago:
‘Israel es rentista del Holocausto’”, em Javier Ortiz (org.), ¡Palestina
existe!, Madri, Foca, 2002 [Entrevista a Javier Ortiz].
A Hipocrisia
Ocidental: Israel e EUA à frente!
A guerra dos Estados
Unidos contra o Iraque não se justifica porque não foi provada nenhuma das
acusações que se fazia ao país. E não vale dizer que os Estados Unidos interferiram
no Iraque para acabar com um tirano, porque eles não interferiram em
muitíssimos países onde foram responsáveis por colocar no poder os respectivos
tiranos. Então vamos acabar com essa hipocrisia. Sabemos muito bem que os
Estados Unidos precisavam controlar o petróleo do Iraque. E não é só isso. É o
controle de todo o Oriente Médio. Controlar a região significa abrir as portas
para a Ásia, onde está um país chamado China, com o qual mais cedo ou mais
tarde os Estados Unidos vão ter que se confrontar. De resto, essa formação do
império americano começou a ser desenhada nos anos 20, depois da Primeira
Guerra Mundial. (p. 433)
“A democracia
esvaziada”, O Globo, Rio de Janeiro, 10 de maio de 2003 [Entrevista a Manya
Millen].
Ω
A fisionomia fascista
dos Estados Unidos hoje é bastante completa. O que antes era um objeto mais ou
menos disfarçado está hoje aí, exposto com clareza e plenamente. (p. 435)
“José Saramago: Cuba
irradia solidaridad”, Juventud Rebelde, Havana, 19 de junho de 2005 [Entrevista
a Rosa Miriam Elizalde].
Ω
Os Estados Unidos são
realmente odiados por uma parte do mundo e objeto de desconfiança e receio de
outra. Ganharam tudo à força com suas torpezas e arbitrariedades, com sua
soberba e sua insolência, com suas mentiras e seus abusos, com o seu quero tudo
e mando em tudo. E agora se queixam. É preciso ser muito hipócrita. (p.
437)
“Conversaciones con
José Saramago”, Contrapunto de América Latina, Buenos Aires, n. 9,
julho-setembro de 2007 [Entrevista a Pilar del Río].
Ω
A ameaça à segurança
mundial está neste momento centrada nos Estados Unidos. A mais perigosa
ameaça à segurança mundial está nesse país. (p. 468)
“Existe un muro de
silencio sobre lo que pasa en Chiapas, sostiene Saramago”, La Jornada, Cidade
do México, 15 de maio de 2003 [Correspondência de César Güemes].
Referência:
SARAMAGO, José. As
palavras de Saramago. Organização e seleção de Fernando Gómez Aguilera. São
Paulo, SP: Companhia das Letras, 2010.
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