Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Antonio Carlos Secchin - Autorretrato

Numa toada com versos heptassílabos, com rimas não contínuas em linhas alternadas, o ensaísta e crítico carioca pinta um autorretrato literário, claro está, na qualidade de poeta de que também se reveste, digo melhor, aquele prestidigitador que se furta a ser muito bem definido, suscitando tentames das mais contrastivas feições e substâncias.

 

O infratranscrito poema logo nos leva a associá-lo a outra composição também em redondilha maior, a esquadrinhar tema assemelhado, a saber, a “Autopsicografia” de Fernando Pessoa, essa figura heteronímica de desbordante personalidade, esfíngica lavra em fuga...

 

A interação do poeta com o seu público leitor também se distingue nos versos de Secchin, valendo por demais as palavras do Paulo Leminski (1944-1989), em entrevista a Ademir Assunção (v. aqui, p. 9), o cognominado “ventríloquo” de Araraquara (rs):

 

Assunção: Você tem um texto interessante sobre a poesia no receptor. Trabalha com a ideia de que um bom leitor de poesia também é, de alguma forma, um poeta. Como é isso?


Leminski: Uma pessoa pode dizer assim: “Eu sou incapaz de escrever um bom verso, mas não consigo passar uma noite sem ler umas páginas de Fernando Pessoa”. Para mim, essa pessoa é poeta. A poesia tem que existir nos dois polos: no emissor e no receptor. Quem sabe ler bem poesia é tão poeta quanto quem escreve. Borges tem uma frase magistral sobre isso. Ele diz: “Outros se orgulham dos livros que escreveram, eu me orgulho dos livros que li”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Antonio Carlos Secchin

(n. 1952)

 

Autorretrato

 

Um poeta nunca sabe

onde sua voz termina,

se é dele de fato a voz

que no seu nome se assina.

Nem sabe se a vida alheia

é seu pasto de rapina,

ou se o outro é quem lhe invade,

com a voragem assassina.

Nenhum poeta conhece

esse motor que maquina

a explosão da coisa escrita

contra a crosta da rotina.

Entender inteiro o poeta

é bem malsinada sina:

quando o supomos em cena,

já vai sumindo na esquina,

entrando na contramão

do que o bom senso lhe ensina.

Por sob a zona da sombra,

navega em meio à neblina,

ainda que seja pequena

a poesia que o ilumina.

 

Cupidos: alegoria da poesia

(François Boucher: pintor francês)

 

Referência:

 

SECCHIN, Antonio Carlos. Autorretrato. In: DA COSTA E SILVA, Alberto et alii. Antologia poética da Academia Brasileira de Letras. Versão E-book. Brasília, DF: Câmara de Deputados, 2020. p. 45. (‘Edições Câmara’)

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