Numa toada com versos
heptassílabos, com rimas não contínuas em linhas alternadas, o ensaísta e crítico
carioca pinta um autorretrato literário, claro está, na qualidade de poeta de
que também se reveste, digo melhor, aquele prestidigitador que se furta a ser
muito bem definido, suscitando tentames das mais contrastivas feições e substâncias.
O infratranscrito poema
logo nos leva a associá-lo a outra composição também em redondilha maior, a
esquadrinhar tema assemelhado, a saber, a “Autopsicografia” de Fernando
Pessoa, essa figura heteronímica de desbordante personalidade, esfíngica lavra
em fuga...
A interação do poeta
com o seu público leitor também se distingue nos versos de Secchin, valendo por
demais as palavras do Paulo Leminski (1944-1989), em entrevista a Ademir Assunção
(v. aqui,
p. 9), o cognominado “ventríloquo” de Araraquara (rs):
Assunção: Você tem um texto interessante
sobre a poesia no receptor. Trabalha com a ideia de que um bom leitor de poesia
também é, de alguma forma, um poeta. Como é isso?
Leminski: Uma pessoa pode dizer assim: “Eu sou incapaz de escrever um bom verso, mas não consigo passar uma noite sem ler umas páginas de Fernando Pessoa”. Para mim, essa pessoa é poeta. A poesia tem que existir nos dois polos: no emissor e no receptor. Quem sabe ler bem poesia é tão poeta quanto quem escreve. Borges tem uma frase magistral sobre isso. Ele diz: “Outros se orgulham dos livros que escreveram, eu me orgulho dos livros que li”.
J.A.R. – H.C.
Antonio Carlos
Secchin
(n. 1952)
Autorretrato
Um poeta nunca sabe
onde sua voz termina,
se é dele de fato a
voz
que no seu nome se
assina.
Nem sabe se a vida
alheia
é seu pasto de
rapina,
ou se o outro é quem
lhe invade,
com a voragem
assassina.
Nenhum poeta conhece
esse motor que
maquina
a explosão da coisa
escrita
contra a crosta da
rotina.
Entender inteiro o
poeta
é bem malsinada sina:
quando o supomos em
cena,
já vai sumindo na
esquina,
entrando na contramão
do que o bom senso
lhe ensina.
Por sob a zona da
sombra,
navega em meio à
neblina,
ainda que seja
pequena
a poesia que o
ilumina.
Cupidos: alegoria da
poesia
(François Boucher:
pintor francês)
Referência:
SECCHIN, Antonio
Carlos. Autorretrato. In: DA COSTA E SILVA, Alberto et alii. Antologia
poética da Academia Brasileira de Letras. Versão E-book. Brasília, DF: Câmara
de Deputados, 2020. p. 45. (‘Edições Câmara’)
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