Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Hart Crane - À Ponte do Brooklyn

Amalgamando imagens da famosa ponte, em Nova Iorque (EUA), a outras de trabalhadores em prédios de escritórios à volta, enredados em seu trabalho burocrático, tudo isso em convolução com a não menos renomada Estátua da Liberdade, Crane traça aqui um cenário multiforme, ora aludindo a uma desolada condição humana, debatendo-se entre confinamento e liberdade, ora apelando a uma indulgência e remição a esse homem atribulado.

 

Ante o caos da cidade, quase um albergue para loucos, a ponte oferece alguma luz e placidez, a conotar certo sentido hierático: deve haver alguma explicação inteligível para Deus, esse “mito” de múltiplas faces, capaz de superar tamanho pélago de desalento e tormentas, resgatando-nos até a margem segura de uma planície de revelações.

 

J.A.R. – H.C.

 

Hart Crane

(1899-1932)

 

To Brooklyn Bridge

 

How many dawns, chill from his rippling rest

The seagull’s wings shall dip and pivot him,

Shedding white rings of tumult, building high

Over the chained bay waters Liberty –

 

Then, with inviolate curve, forsake our eyes

As apparitional as sails that cross

Some page of figures to be filed away;

– Till elevators drop us from our day...

 

I think of cinemas, panoramic sleights

With multitudes bent toward some flashing scene

Never disclosed, but hastened to again,

Foretold to other eyes on the same screen;

 

And Thee, across the harbor, silver-paced

As though the sun took step of thee, yet left

Some motion ever unspent in thy stride, –

Implicitly thy freedom staying thee!

 

Out of some subway scuttle, cell or loft

A bedlamite speeds to thy parapets,

Tilting there momently, shrill shirt ballooning,

A jest falls from the speechless caravan.

 

Down Wall, from girder into street noon leaks,

A rip.tooth of the sky’s acetylene;

All afternoon the cloud-flown derricks turn...

Thy cables breathe the North Atlantic still.

 

And obscure as that heaven of the Jews,

Thy guerdon... Accolade thou dost bestow

Of anonymity time cannot raise:

Vibrant reprieve and pardon thou dost show.

 

o harp and altar, of the fury fused,

(How could mere toil align thy choiring strings!)

Terrific threshold of the prophet’s pledge,

Prayer of pariah, and the lover’s cry, –

 

Again the traffic lights that skim thy swift

Unfractioned idiom, immaculate sigh of stars,

Beading thy path – condense eternity:

And we have seen night lifted in thine arms.

 

Under thy shadow by the piers I waited;

Only in darkness is thy shadow clear.

The City’s fiery parcels all undone,

Already snow submerges an iron year...

 

O Sleepless as the river under thee,

Vaulting the sea, the prairies’ dreaming sod,

Unto us lowliest sometime sweep, descend

And of the curveship lend a myth to God.

 

In: “The Bridge” (1930)

 

A Ponte do Brooklyn

(Leonid Afremov: pintor israelense)

 

À Ponte do Brooklyn

 

Por quantas alvoradas, frias da folga ondulante

As asas de uma gaivota vão descer em giro

Vertendo brancos anéis de tumulto, erguendo alto

Sobre a baía de água agrilhoada a Liberdade –

 

Para, em curva inviolada, deixar os nossos olhos

Fantasmagóricos qual velas que atravessam

Alguma página arquivada cheia de quantias;

– Até que elevadores nos soltem de nosso dia…

 

Penso em cinemas, artifícios panorâmicos

Com multidões curvadas sobre cena que estrela

Nunca divulgada, mas de novo acelerada,

Predita a outros olhos na mesma tela;

 

E Tu, cruzando o porto, ritmada em prata

Como se o sol se afastasse de ti, porém deixasse

Um movimento inesgotado em teu percurso, –

De forma implícita, tua liberdade contigo!

 

Saído de buraco do metrô, cela ou sótão

Um louco precipita-se nos teus parapeitos,

Pendente, camisa farfalhante se inflando,

Um gracejo cai da caravana quieta.

 

Por Wall Street, vaza o meio-dia, da viga à rua,

Uma cárie do acetileno do céu;

Guindastes plana-nuvem giram a tarde inteira…

Teus cabos respiram a calma do Atlântico Norte.

 

E obscura como aquele céu judaico,

A tua recompensa…Tu concedes sagração

De anonimato que o tempo não pode evocar:

Mostras vibrantes pena adiada e perdão.

 

Ó, harpa e altar, por fúria misturados,

(Como mero esforço alinhou teu coro de cordas!)

Terrível limiar da garantia do profeta,

Prece de pária, e pranto do amante, –

 

Semáforos de novo roçam teu veloz

Idioma indiviso, suspiro puro de estrelas,

Perolando teu curso – condensando eternidade:

E vimos, levantada, a noite em teus braços

 

Sob a tua sombra, junto ao píer, esperei;

Só na escuridão a tua sombra é vista sem erro.

Desfeitas todas as parcelas ígneas da Cidade,

A neve já submerge um ano de ferro…

 

Ó, Insone como o rio debaixo de ti,

Abobadando o mar, a relva em sonho em pradaria,

De vez em quando, sobre nós, humildes, desce

E da curvatura empresta a Deus mitologia.

 

Em: “A Ponte” (1930)

 

Referências:

 

Em Inglês

 

CRANE, Hart. To Brooklin bridge. In: __________. The collected poems of Hart Crane. Edited with an introduction by Waldo Frank. Black & Gold Edition. New York, NY: Liveright Publishing Corporation, jul. 1946. p. 3-4.

 

Em Português

 

CRANE, Hart. À ponte do Brooklin. Tradução de Anderson Mezzarano Lucarezi. In: LUCAREZI, Anderson Mezzarano. Poemas de Hart Crane: uma tradução comentada. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Universidade de São Paulo. São Paulo (SP), 2020. p. 123-124. Disponível neste endereço. Acesso em: 4 nov. 2023.

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