Amalgamando imagens da
famosa ponte, em Nova Iorque (EUA), a outras de trabalhadores em prédios de
escritórios à volta, enredados em seu trabalho burocrático, tudo isso em
convolução com a não menos renomada Estátua da Liberdade, Crane traça aqui um cenário
multiforme, ora aludindo a uma desolada condição humana, debatendo-se entre
confinamento e liberdade, ora apelando a uma indulgência e remição a esse homem
atribulado.
Ante o caos da cidade,
quase um albergue para loucos, a ponte oferece alguma luz e placidez, a conotar
certo sentido hierático: deve haver alguma explicação inteligível para Deus,
esse “mito” de múltiplas faces, capaz de superar tamanho pélago de desalento e
tormentas, resgatando-nos até a margem segura de uma planície de revelações.
J.A.R. – H.C.
Hart Crane
(1899-1932)
To Brooklyn Bridge
How many dawns, chill
from his rippling rest
The seagull’s wings
shall dip and pivot him,
Shedding white rings
of tumult, building high
Over the chained bay
waters Liberty –
Then, with inviolate
curve, forsake our eyes
As apparitional as
sails that cross
Some page of figures
to be filed away;
– Till elevators drop
us from our day...
I think of cinemas,
panoramic sleights
With multitudes bent
toward some flashing scene
Never disclosed, but
hastened to again,
Foretold to other
eyes on the same screen;
And Thee, across the
harbor, silver-paced
As though the sun
took step of thee, yet left
Some motion ever
unspent in thy stride, –
Implicitly thy
freedom staying thee!
Out of some subway
scuttle, cell or loft
A bedlamite speeds to
thy parapets,
Tilting there
momently, shrill shirt ballooning,
A jest falls from the
speechless caravan.
Down Wall, from
girder into street noon leaks,
A rip.tooth of the
sky’s acetylene;
All afternoon the
cloud-flown derricks turn...
Thy cables breathe
the North Atlantic still.
And obscure as that
heaven of the Jews,
Thy guerdon... Accolade
thou dost bestow
Of anonymity time cannot
raise:
Vibrant reprieve and
pardon thou dost show.
o harp and altar, of
the fury fused,
(How could mere toil
align thy choiring strings!)
Terrific threshold of
the prophet’s pledge,
Prayer of pariah, and
the lover’s cry, –
Again the traffic
lights that skim thy swift
Unfractioned idiom,
immaculate sigh of stars,
Beading thy path –
condense eternity:
And we have seen
night lifted in thine arms.
Under thy shadow by
the piers I waited;
Only in darkness is
thy shadow clear.
The City’s fiery
parcels all undone,
Already snow
submerges an iron year...
O Sleepless as the
river under thee,
Vaulting the sea, the
prairies’ dreaming sod,
Unto us lowliest
sometime sweep, descend
And of the curveship
lend a myth to God.
In: “The Bridge”
(1930)
A Ponte do Brooklyn
(Leonid Afremov:
pintor israelense)
À Ponte do Brooklyn
Por quantas
alvoradas, frias da folga ondulante
As asas de uma
gaivota vão descer em giro
Vertendo brancos
anéis de tumulto, erguendo alto
Sobre a baía de água
agrilhoada a Liberdade –
Para, em curva
inviolada, deixar os nossos olhos
Fantasmagóricos qual
velas que atravessam
Alguma página
arquivada cheia de quantias;
– Até que elevadores
nos soltem de nosso dia…
Penso em cinemas,
artifícios panorâmicos
Com multidões
curvadas sobre cena que estrela
Nunca divulgada, mas
de novo acelerada,
Predita a outros
olhos na mesma tela;
E Tu, cruzando o
porto, ritmada em prata
Como se o sol se
afastasse de ti, porém deixasse
Um movimento
inesgotado em teu percurso, –
De forma implícita,
tua liberdade contigo!
Saído de buraco do
metrô, cela ou sótão
Um louco precipita-se
nos teus parapeitos,
Pendente, camisa
farfalhante se inflando,
Um gracejo cai da
caravana quieta.
Por Wall Street, vaza
o meio-dia, da viga à rua,
Uma cárie do
acetileno do céu;
Guindastes
plana-nuvem giram a tarde inteira…
Teus cabos respiram a
calma do Atlântico Norte.
E obscura como aquele
céu judaico,
A tua recompensa…Tu
concedes sagração
De anonimato que o
tempo não pode evocar:
Mostras vibrantes
pena adiada e perdão.
Ó, harpa e altar, por
fúria misturados,
(Como mero esforço
alinhou teu coro de cordas!)
Terrível limiar da
garantia do profeta,
Prece de pária, e
pranto do amante, –
Semáforos de novo
roçam teu veloz
Idioma indiviso,
suspiro puro de estrelas,
Perolando teu curso –
condensando eternidade:
E vimos, levantada, a
noite em teus braços
Sob a tua sombra,
junto ao píer, esperei;
Só na escuridão a tua
sombra é vista sem erro.
Desfeitas todas as parcelas
ígneas da Cidade,
A neve já submerge um
ano de ferro…
Ó, Insone como o rio
debaixo de ti,
Abobadando o mar, a
relva em sonho em pradaria,
De vez em quando,
sobre nós, humildes, desce
E da curvatura
empresta a Deus mitologia.
Em: “A Ponte” (1930)
Referências:
Em Inglês
CRANE, Hart. To
Brooklin bridge. In: __________. The collected poems of Hart Crane.
Edited with an introduction by Waldo Frank. Black & Gold Edition. New York,
NY: Liveright Publishing Corporation, jul. 1946. p. 3-4.
Em Português
CRANE, Hart. À ponte do Brooklin. Tradução de Anderson Mezzarano Lucarezi. In: LUCAREZI, Anderson Mezzarano. Poemas de Hart Crane: uma tradução comentada. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Universidade de São Paulo. São Paulo (SP), 2020. p. 123-124. Disponível neste endereço. Acesso em: 4 nov. 2023.
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