Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 1 de outubro de 2023

Alice Walker - Não queiras

Em versos curtos, Walker, autora negra norte-americana, fala-nos sobre ações aviltantes que, muito provavelmente, teria presenciado em decorrência de ordens superiores, tendo a força armada – privada ou estatal – como agente de coação: os efeitos delas resultantes, obviamente, não são conformes aos mínimos imperativos éticos e de justiça social.

 

O discurso flui em tom de expectação (a tradução literal para “hope” é “esperança”), dirigindo-se a voz lírica a um interlocutor a quem se alvitra não incorrer em tais iniquidades (grife-se, por oportuno: uma expressão eufêmica para aquilo que Walker qualifica como “roubo), a pretexto de se pautar pelos valores espelhados no pendão pátrio.

 

J.A.R. – H.C.

 

Alice Walker

(n. 1944)

 

Hope

 

Hope never

to covet

the neighbors’ house

with the fragrant

garden

from which a family

has been

driven by your soldiers;

mother, father,

grandparents,

the toddler and

the dog

now homeless:

huddled, holding on

to each other,

stunned

and friendless

beneath you

in the street:

sitting on

cobblestones

as if on the sofas

inside

that you have decided

to clean, recover and

keep.

 

Hope never

to say yes

to their misery.

 

Hope never to gaze

down into their faces

from what used to be

their rooftop.

 

Hope never to believe

this robbery

will make you a better

citizen of your new

country

as you unfurl and wave

its recent

flag

that has been given

to assure you

of this impossibility.

 

Caridade de Santo Eládio de Toledo

(Francisco Bayeu y Subías: pintor espanhol)

 

Não queiras

 

Não queiras jamais

cobiçar

a casa dos vizinhos

com o seu recendente

jardim,

da qual uma família

foi

escorraçada por teus soldados;

mãe, pai,

avós,

a criança que mal anda

e o cão,

agora sem abrigo:

amontoados, agarrados

uns aos outros,

atordoados

e sem amigos,

sob os teus olhos

na rua;

sentados sobre

paralelepípedos

como se estes fossem os sofás,

porta adentro,

os quais decidiste

limpar, recuperar e

guardar.

 

Não queiras jamais

dizer “sim”

à miséria que os assola.

 

Não queiras jamais voltar

a deitar-lhes o olhar

a partir do que costumava ser

o teto deles.

 

Não queiras jamais acreditar

que tal roubo

te fará um melhor

cidadão de teu novo

país,

enquanto desfraldas e agitas

a sua recente bandeira

que foi legada

para te assegurar

esta impossibilidade.

 

Referência:

 

WALKER, Alice. Hope. In: __________. The world will follow joy: turning madness into flowers (new poems). New York, NY: The New Press, 2013. p. 114-115.

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