Em relação ao poema
ora transcrito e por mim vertido ao português, vale uma observação prévia: não
há pontuação nos versos de O’Hara e o fluxo das palavras segue em linha reta, ainda
que as lucubrações, em vários pontos, já tenham eventualmente dobrado a
esquina, rumo a outros apontamentos.
O leitor poderá
perceber tais inflexões sem muito esforço, sobretudo porque elas ocorrem, na
maior parte das vezes, nos saltos dos versos. Quando tal não vem a calhar, para
favorecer a compreensão, grafei as inflexões com lacunas de três espaços, no
caso, uma vez em cada uma das três estrofes do poema.
Suponho que O’Hara
tenha empregado tal expediente de encadeação para sugerir o quanto o falante e sua
interlocutora estiveram expostos a um vento bastante forte e frio que os deixou
atônitos, ainda que tudo se passe mesmo, s.m.j., na mente do ente lírico, pois
há elementos no texto a sinalizar que a composição nada mais seja do que a verbalização
de um fluxo de consciência que lhe acorreu ao espírito.
J.A.R. – H.C.
Frank O’Hara
(1926-1966)
34 Mile Wind
the sunlight steams
through the cold
making a glassy
melancholy into sound
ping ping ping where
are you
if she is jealous of
me still
she’s not as jealous
as she’s going to be
as the acid tests
produce lignum vitae
stretched over weeks
and the sands
of Rachmaninoff sea
cold as cocktails
and my thighs crisp
as my breath
hello Frank O’Hara
how are you!
I take back
everything I said about
Friday night and
Saturday morning
life can be beautiful
as a deserted
street a strong wind
and trench coats
flapping against
sacred and profane love
as against the neon
and swinging keys
how lucky we’d just
gone home and
changed our shoes
well-tested plot
your thoughts are
like the train stops
in the country where
strangers pause and
watch the death of
someone you will
die for in the future
want to die
though the sweeping
present can’t seem
to bend our solitudes
apart or break
or break into
something quite diferente
from a foregone
conclusion though again
the feeling is
foregone and so beautiful
Ferrovia perto da
estação Tarusskaya
(Vasily D. Polenov:
pintor russo)
Vento de 34 Milhas
a luz do sol vaporiza
através do frio
convertendo em som
uma melancolia vítrea
ping ping ping onde
você está
se ela ainda tem
ciúmes de mim
não está tão ciumenta
quanto ainda há de se tornar
já que as provas de
ácido produzem lignum vitae
expandido durante
semanas e as areias
do mar de Rachmaninoff
são frias como coquetéis
e minhas coxas tão
gélidas quanto o meu respirar
olá Frank O’Hara como
você está!
retiro tudo o que
disse sobre
sexta-feira à noite e
sábado pela manhã
a vida pode ser bela
como uma rua
deserta um
vento forte e sobretudos
drapejando contra o
amor sagrado e profano
bem assim contra o
neon e as balouçantes chaves
que sorte termos acabado
de voltar para casa e
trocado nossos
sapatos dentre um ror bem testado
seus pensamentos são
como as paradas de trem
no campo onde
estranhos fazem uma pausa para
assistir a morte de
alguém por quem você
há de padecer no
futuro ao ter a morte em vista
a despeito de que o
presente arrebatador não pareça
levar de vencidas as
nossas solidões ou vir a topar
a deparar com algo
bastante diferente
de uma previsível conclusão conquanto
uma vez mais
o sentimento seja
premonitório e tão belo
Referência:
O’HARA, Frank. 34
mile wind. In: __________. The collected poems of Frank O’Hara. Edited
by Donald Allen, with an introduction by John Ashbery. 1st print. Berkeley, CA:
University of California Press, 1995. p. 469.
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