Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Frank O’Hara - Vento de 34 Milhas

Em relação ao poema ora transcrito e por mim vertido ao português, vale uma observação prévia: não há pontuação nos versos de O’Hara e o fluxo das palavras segue em linha reta, ainda que as lucubrações, em vários pontos, já tenham eventualmente dobrado a esquina, rumo a outros apontamentos.

 

O leitor poderá perceber tais inflexões sem muito esforço, sobretudo porque elas ocorrem, na maior parte das vezes, nos saltos dos versos. Quando tal não vem a calhar, para favorecer a compreensão, grafei as inflexões com lacunas de três espaços, no caso, uma vez em cada uma das três estrofes do poema.

 

Suponho que O’Hara tenha empregado tal expediente de encadeação para sugerir o quanto o falante e sua interlocutora estiveram expostos a um vento bastante forte e frio que os deixou atônitos, ainda que tudo se passe mesmo, s.m.j., na mente do ente lírico, pois há elementos no texto a sinalizar que a composição nada mais seja do que a verbalização de um fluxo de consciência que lhe acorreu ao espírito.

 

J.A.R. – H.C.

 

Frank O’Hara

(1926-1966)

 

34 Mile Wind

 

the sunlight steams through the cold

making a glassy melancholy into sound

ping ping ping where are you

if she is jealous of me still

she’s not as jealous as she’s going to be

as the acid tests produce lignum vitae

stretched over weeks and the sands

of Rachmaninoff sea cold as cocktails

and my thighs crisp as my breath

 

hello Frank O’Hara how are you!

I take back everything I said about

Friday night and Saturday morning

life can be beautiful as a deserted

street a strong wind and trench coats

flapping against sacred and profane love

as against the neon and swinging keys

how lucky we’d just gone home and

changed our shoes well-tested plot

 

your thoughts are like the train stops

in the country where strangers pause and

watch the death of someone you will

die for in the future want to die

though the sweeping present can’t seem

to bend our solitudes apart or break

or break into something quite diferente

from a foregone conclusion though again

the feeling is foregone and so beautiful

 

Ferrovia perto da estação Tarusskaya

(Vasily D. Polenov: pintor russo)

  

Vento de 34 Milhas

 

a luz do sol vaporiza através do frio

convertendo em som uma melancolia vítrea

ping ping ping   onde você está

se ela ainda tem ciúmes de mim

não está tão ciumenta quanto ainda há de se tornar

já que as provas de ácido produzem lignum vitae

expandido durante semanas e as areias

do mar de Rachmaninoff são frias como coquetéis

e minhas coxas tão gélidas quanto o meu respirar

 

olá Frank O’Hara como você está!

retiro tudo o que disse sobre

sexta-feira à noite e sábado pela manhã

a vida pode ser bela como uma rua

deserta   um vento forte e sobretudos

drapejando contra o amor sagrado e profano

bem assim contra o neon e as balouçantes chaves

que sorte termos acabado de voltar para casa e

trocado nossos sapatos dentre um ror bem testado

 

seus pensamentos são como as paradas de trem

no campo onde estranhos fazem uma pausa para

assistir a morte de alguém por quem você

há de padecer no futuro ao ter a morte em vista

a despeito de que o presente arrebatador não pareça

levar de vencidas as nossas solidões ou vir a topar

a deparar com algo bastante diferente

de uma previsível conclusão   conquanto uma vez mais

o sentimento seja premonitório e tão belo

 

Referência:

 

O’HARA, Frank. 34 mile wind. In: __________. The collected poems of Frank O’Hara. Edited by Donald Allen, with an introduction by John Ashbery. 1st print. Berkeley, CA: University of California Press, 1995. p. 469.

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