Fazendo jus à palavra
em francês “rond” (redondo ou circular), o falante, depois de um giro de
deduções, partindo da ideia de que “falar é fácil”, chega ao seu exato oposto –
“falar é difícil”: o esquema flui reiterado nas estrofes do poema, sob o mesmo
formato – declaração, objeção, prescrição –, até alcançar a ordem final, vale dizer,
“torna-te o que és e segue murmurando, só para ti, criatura inútil”.
No fundo, o poeta
parece estar censurando aqueles que se põem a falar e a falar aos quatro ventos,
verborrágica e profusamente, sem quaisquer ações úteis que correspondam às suas
ideias. A eles, o falante recomenda o supratranscrito preceito, algo
equivalente a: “Prontos para ouvir, tardios ao falar”.
J.A.R. – H.C.
Hans M. Enzensberger
(n. 1929)
Rondeau
Reden ist leicht.
Aber Wörter kann man
nicht essen.
Also backe Brot.
Brot backen ist
schwer.
Also werde Bäcker.
Aber in einem Brot
kann man nicht wohnen.
Also bau Häuser.
Häuser bauen ist
schwer.
Also werde Maurer.
Aber auf einen Berg
kann man kein Haus bauen.
Also versetze den
Berg.
Berge versetzen ist
schwer.
Also werde Prophet.
Aber Gedanken kann
man nicht hören.
Also rede.
Reden ist schwer.
Also werde was du
bist
und murmle weiter vor
dich hin,
unnützes Geschöpf.
Aus: “Gedichte
1955-1970: Danach”
Obreira
(Yuri Pimenov: pintor
russo)
Rondó
Falar é fácil.
Mas, não se comem
palavras.
Portanto, faze pão.
Fazer pão é difícil,
portanto, torna-te
padeiro.
Mas, num pão não se
mora.
portanto, constrói
casas.
Construir casas é
difícil.
Portanto, torna-te
pedreiro.
Porém, em cima de uma
montanha não se constroem casas,
portanto, transporta
a montanha.
Transportar montanhas
é difícil.
Portanto, torna-te
profeta. (*)
Porém, os pensamentos
não se ouvem.
Portanto, fala.
Falar é difícil.
Portanto, torna-te o
que és
e segue murmurando,
só para ti,
criatura inútil.
Em: “Poemas
1955-1970: Após”
Nota:
(*). Aqui, a alusão torna-se
bastante transparente: o autor se refere ao ditado “Se Maomé não vai à
montanha, vai a montanha a Maomé”.
Referência:
ENZENSBERGER, Hans
Magnus. Rondeau / Rondó. Tradução de Kurt Scharf e Armindo Trevisan. In:
__________. Eu falo dos que não falam: antologia. Edição
bilíngue. Seleção dos textos de Kurt Scharf. Tradução de Kurt Scharf e Armindo
Trevisan. Prefácio de Bärbel Gutzat. São Paulo, SP: Brasiliense, 1985. Em alemão e em
português: p. 61.
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