Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 15 de outubro de 2023

Hans Magnus Enzensberger - Rondó

Fazendo jus à palavra em francês “rond” (redondo ou circular), o falante, depois de um giro de deduções, partindo da ideia de que “falar é fácil”, chega ao seu exato oposto – “falar é difícil”: o esquema flui reiterado nas estrofes do poema, sob o mesmo formato – declaração, objeção, prescrição –, até alcançar a ordem final, vale dizer, “torna-te o que és e segue murmurando, só para ti, criatura inútil”.

 

No fundo, o poeta parece estar censurando aqueles que se põem a falar e a falar aos quatro ventos, verborrágica e profusamente, sem quaisquer ações úteis que correspondam às suas ideias. A eles, o falante recomenda o supratranscrito preceito, algo equivalente a: “Prontos para ouvir, tardios ao falar”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Hans M. Enzensberger

(n. 1929)

 

Rondeau

 

Reden ist leicht.

 

Aber Wörter kann man nicht essen.

Also backe Brot.

Brot backen ist schwer.

Also werde Bäcker.

 

Aber in einem Brot kann man nicht wohnen.

Also bau Häuser.

Häuser bauen ist schwer.

Also werde Maurer.

 

Aber auf einen Berg kann man kein Haus bauen.

Also versetze den Berg.

Berge versetzen ist schwer.

Also werde Prophet.

 

Aber Gedanken kann man nicht hören.

Also rede.

Reden ist schwer.

Also werde was du bist

 

und murmle weiter vor dich hin,

unnützes Geschöpf.

 

Aus: “Gedichte 1955-1970: Danach”

 

Obreira

(Yuri Pimenov: pintor russo)

 

Rondó

 

Falar é fácil.

 

Mas, não se comem palavras.

Portanto, faze pão.

Fazer pão é difícil,

portanto, torna-te padeiro.

 

Mas, num pão não se mora.

portanto, constrói casas.

Construir casas é difícil.

Portanto, torna-te pedreiro.

 

Porém, em cima de uma montanha não se constroem casas,

portanto, transporta a montanha.

Transportar montanhas é difícil.

Portanto, torna-te profeta. (*)

 

Porém, os pensamentos não se ouvem.

Portanto, fala.

Falar é difícil.

Portanto, torna-te o que és

 

e segue murmurando, só para ti,

criatura inútil.

 

Em: “Poemas 1955-1970: Após”

 

Nota:

 

(*). Aqui, a alusão torna-se bastante transparente: o autor se refere ao ditado “Se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé”.

 

Referência:

 

ENZENSBERGER, Hans Magnus. Rondeau / Rondó. Tradução de Kurt Scharf e Armindo Trevisan. In: __________. Eu falo dos que não falam: antologia. Edição bilíngue. Seleção dos textos de Kurt Scharf. Tradução de Kurt Scharf e Armindo Trevisan. Prefácio de Bärbel Gutzat. São Paulo, SP: Brasiliense, 1985. Em alemão e em português: p. 61.

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