Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

José Emilio Pacheco - Minuto cultural na televisão para falar do porvir da poesia (ilustrado com desenhos animados)

Neste hipotético diálogo entre os interlocutores de um programa de televisão – de um lado, o poeta, convidado a discursar sobre o que julga ser pertinente em seu mister e, de outro, o impaciente espectador imaginário –, percebe-se a intenção do autor em sustentar o quanto a poesia está presa à fragilidade do momento, sendo manifestação acessória no livre curso da história, sem delongas relegada a um cenário limitado, bem aquém das sendas onde manam os grandes temas do quotidiano.

 

Diante da urgência da comunicação midiática, quaisquer diálogos metapoéticos ou saraus de poesias que ultrapassem a simples escala de alguns minutos suscitam a ânsia de mudar de canal no espectador: sem destinatários receptivos, a poesia míngua em sua capacidade de atingir o grande público, dando razões àqueles que apoiam a tese de que se encontra nos estertores.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Emilio Pacheco

(1939-2014)

 

Minuto cultural en la televisión para

hablar del porvenir de la poesía

(se ilustra con dibujos animados)

 

Reloj de arena: encarnación del tiempo

que se va a cada instante.

Se vacía de nosotros.

Está pasando siempre y no vuelve.

 

Oiga, no continúe. Bien lo sabemos.

 

Hoy el reloj de arena ya no es la imagen del tiempo:

figura en todas partes el reloj digital

en donde sólo da la cara el instante.

A semejanza del reloj de arena,

durante muchos siglos la poesía...

 

Basta: salte ese passaje

o cambiaré de canal

para cerrarle la boca.

 

Está bien, está bien. Disculpe

que yo abuse de su impaciencia.

Terminaré en un segundo.

 

Ese reloj poético de arena,

esa filosofía de bulto que hizo tangible el passo

del tiempo,

ahora está reducido a la cocina

para medir los tres minutos justos

en que el agua y el fuego hacen un pacto

y juntos reconvierten los embriones de pollo

en un plato llamado huevos tibios.

 

Ampulheta

(Anatoly Baratynsky: artista israelo-russo)

 

Minuto cultural na televisão para

falar do porvir da poesia

(ilustrado com desenhos animados)

 

Ampulheta: encarnação do tempo

que se vai a cada instante.

Esvazia-se de nós.

Está sempre passando e não retorna.

 

Ouça, não continue. Bem o sabemos.

 

Hoje a ampulheta já não é a imagem do tempo:

o relógio digital aparece em toda parte

onde apenas o instante mostra a sua face.

À semelhança da ampulheta,

durante muitos séculos, a poesia...

 

Basta: pule essa passagem

ou mudarei de canal

para calar a sua boca.

 

Está bem, está bem. Desculpe-me

por abusar de sua impaciência.

Terminarei em um segundo.

 

Essa poética ampulheta,

essa filosofia copiosa que tornou tangível

a passagem do tempo,

agora está reduzida à cozinha

para medir os exatos três minutos

em que a água e o fogo fazem um pacto

e juntos reconvertem os embriões de galinha

em um prato chamado ovos escalfados.

 

Referência:

 

PACHECO, José Emilio. Minuto cultural en la televisión para hablar del porvenir de la poesía (se ilustra con dibujos animados). In: __________. El silencio de la luna: poemas (1985-1996). 3. ed. ampl., 1. reimp. México, D.F.: Ediciones Era, 2007. p. 66.

Nenhum comentário:

Postar um comentário