À glória etérea que
se eterniza, enquanto mito, no azul remoto do firmamento, o poeta contrapõe os
louros de uma vida de embates aqui embaixo, no “chão”, “na luta áspera da planície,
da rua”, onde o corpo “sofre e se ensanguenta”, muitas vezes tombando frente à
voracidade das tribulações quotidianas que tem de suportar.
Há um certo contraponto hierático no título do poema, definindo um fundo perante o qual o autor rumina acerca do processo “catártico” de ter que se viver e sofrer os tormentos terrenos, do labor para se obter o pão com suor no rosto, sendo pó integrado em carne – e retornando ao pó primordial ao final da lida: a vida não é mais que um combate!
J.A.R. – H.C.
Cassiano Ricardo
(1895-1974)
A glória não está nas
alturas
A glória não está nas
alturas.
Está no chão, está na
luta áspera
da planície, da rua.
Está onde a matéria
sofre
e se ensanguenta.
Está, não nas coisas
que sobem,
mas nas coisas que
caem.
A glória não está no
céu lúcido,
que carrego nos
ombros, desde
que nasci. Sou pequeno
demais,
pra carregar estrelas
tão numerosas quanto
indecifráveis.
O que posso fazer é
dar um nome, a cada uma delas,
e inventar
constelações.
Estou farto de azul e
de outros mitos
que encontrei no
mundo. A aurora
que se diz vir do
além,
não me satisfaz, não
é a aurora que eu sonho.
Doura-me as mãos,
apenas por ser loura.
Não resolve, sequer,
o meu terrível monólogo.
Antes, repete o erro
imemorial.
Em: “Poemas murais” (1950)
Fluindo no profético
(Autoria não
identificada)
Referência:
RICARDO, Cassiano. A glória não está nas alturas. In: JACOBBI, Ruggero (Sel. e Trad.). Lirici brasiliani: dal modernismo ad oggi. Prima edizione italiana. Milano, IT: Silva Editore, 1960. p. 142.
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