Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 29 de outubro de 2023

Cassiano Ricardo - A glória não está nas alturas

À glória etérea que se eterniza, enquanto mito, no azul remoto do firmamento, o poeta contrapõe os louros de uma vida de embates aqui embaixo, no “chão”, “na luta áspera da planície, da rua”, onde o corpo “sofre e se ensanguenta”, muitas vezes tombando frente à voracidade das tribulações quotidianas que tem de suportar.

 

Há um certo contraponto hierático no título do poema, definindo um fundo perante o qual o autor rumina acerca do processo “catártico” de ter que se viver e sofrer os tormentos terrenos, do labor para se obter o pão com suor no rosto, sendo pó integrado em carne  e retornando ao pó primordial ao final da lida: a vida não é mais que um combate!

 

J.A.R. – H.C.

 

Cassiano Ricardo

(1895-1974)

 

A glória não está nas alturas

 

A glória não está nas alturas.

Está no chão, está na luta áspera

da planície, da rua.

Está onde a matéria sofre

e se ensanguenta.

Está, não nas coisas que sobem,

mas nas coisas que caem.

 

A glória não está no céu lúcido,

que carrego nos ombros, desde

que nasci. Sou pequeno demais,

pra carregar estrelas

tão numerosas quanto indecifráveis.

O que posso fazer é dar um nome, a cada uma delas,

e inventar constelações.

 

Estou farto de azul e de outros mitos

que encontrei no mundo. A aurora

que se diz vir do além,

não me satisfaz, não é a aurora que eu sonho.

Doura-me as mãos, apenas por ser loura.

Não resolve, sequer, o meu terrível monólogo.

Antes, repete o erro imemorial.

 

Em: “Poemas murais” (1950)

 

Fluindo no profético

(Autoria não identificada)

 

Referência:

 

RICARDO, Cassiano. A glória não está nas alturas. In: JACOBBI, Ruggero (Sel. e Trad.). Lirici brasiliani: dal modernismo ad oggi. Prima edizione italiana. Milano, IT: Silva Editore, 1960. p. 142.

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