Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Adélia Prado - Para perpétua memória

Adélia talvez aqui esteja rememorando alguém de sua família, quem sabe seu pai, que em sonhos lhe aparece como participante de uma procissão e a cantar, acompanhado por uma banda de música: sobressai em seus versos o acento grave, sombrio e tonal – vermelho, branco e marrom –, pungente a toda prova.

 

A “perpétua memória” a que alude o título do poema incorpora um sentido de “ressurreição” – não corporal, é claro –, a denotar “presença” contínua do ressurrecto na mente da falante: libertado dos limites terrenos, sua estada na praça provoca uma debandada de pombos, metáfora a encadear ideias díspares – “a alegria é tristeza” –, tais como consolo e devoção a um desejo latente de abrir espaço para algo novo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Adélia Prado

(n. 1935)

 

Para perpétua memória

 

Depois de morrer, ressuscitou

e me apareceu em sonhos muitas vezes.

A mesma cara sem sombras, os graves da fala

em cantos, as palavras sem pressa,

inalterada, a qualidade do sangue,

inflamável como o dos touros.

Seguia de opa vermelha, em procissão,

uma banda de música e cantava.

Que cantasse, era a natureza do sonho.

Que fosse alto e bonito o canto, era sua matéria.

Aconteciam na praça sol e pombos

de asa branca e marrom que debandavam.

Como um traço grafado horizontal,

seu passo marcial atrás da música,

o canto, a opa vermelha, os pombos,

o que entrevi sem erro:

a alegria é tristeza,

é o que mais punge.

 

Em: “Bagagem” (1976)

 

Banda musical do “Dia dos Mortos”

(Julie Oakes: artista norte-americana)

 

Referência:

 

PRADO, Adélia. Para perpétua memória. In: __________. Poesia reunida. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2015. p. 94.

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