Tendo em mente as
esculturas egípcias constantes no acervo do Museu de Turim (IT), Hesse contrasta
a continuidade temporal de tais peças, bem assim o rastro de eternidade que o legado
daquela cultura prognostica, com a transitoriedade de nossa existência, haja
vista que não exatamente gravada em pedra, senão que a mercê de imagens que
ressuscitam, “impacientes e perpétuas”, “encantos e tormentos”, ao sabor de “cada
momento”.
Ao mesmo tempo que retratava
uma visão idealizada do mundo, a antiga arte egípcia assumia o encargo de expressar
as concepções religiosas daquela civilização, servindo ainda de lastro de permanência,
neste domínio terreno, aos que atravessavam o vale da morte. Quanto aos homens de
seu próprio tempo, a perspectiva de Hesse revela-se insuspeita: “Nossa meta é a
morte, nosso credo a inconstância; não há lapso de tempo que se contraponha à
nossa efígie súplice”.
J.A.R. – H.C.
Hermann Hesse
(1877-1962)
In Einer Sammlung
Ägyptischer Bildwerke
Aus den
Edelsteinaugen
Blicket ihr still und
ewig
Über uns späte Brüder
hinweg.
Liebe scheint noch
Verlangen
Euren schimmernd
glatten Zügen bekannt.
Königlich und den
Gestirnen verschwistert
Seid ihr
Unbegreiflichen einst
Zwischen Tempeln
geschritten,
Heiligkeit weht wie
ein ferner Götterduft
Heut noch um eure
Stirnen,
Würde um eure Knie;
Eure Schönheit atmet
gelassen,
Ihre Heimat ist
Ewigkeit.
Aber wir, eure
jüngeren Brüder,
Taumeln gottlos ein
irres Leben entlang,
Allen Qualen der
Leidenschaft,
Jeder brennenden
Sehnsucht
Steht unsre zitternde
Seele gierig geöffnet.
Unser Ziel ist der
Tod,
Unser Glaube
Vergänglichkeit,
Keiner Zeitenferne
Trotzt unser
flehendes Bildnis.
Dennoch tragen auch
wir
Heimlicher
Seelenverwandschaft Merkmal
In die Seele
gebrannt,
Ahnen Götter und
fühlen vor euch,
Schweigende Bilder
der Vorzeit,
Furchtlose Liebe.
Denn sehet,
Uns ist kein Wesen
verhaßt, auch der Tod nicht,
Leiden und Sterben
Schreckt unsre Seele
nicht,
Weil wir tiefer zu
lieben gelernt!
Unser Herz ist des
Vogels,
Ist des Meeres und
Walds, und wir nennen
Sklaven und Elende
Brüder,
Nennen mit
Liebesnamen noch Tier und Stein.
So auch werden die
Bildnisse
Unsres vergänglichen
Seins
Nicht im harten
Steine uns überdauern;
Lächelnd werden sie
schwinden
Und im flüchtigen
Sonnenstaub
Jeder Stunde zu neuen
Freuden und Qualen
Ungeduldig und ewig
auferstehn.
Dezember 1913
Esculturas Egípcias
Ísis (à direita) e
seu filho Hórus (à esquerda)
acenam para Osíris
(ao centro)
Efígies datadas do
século IX a.C.
Ante uma Coleção de
Esculturas Egípcias
De trás das gemas dos
olhos
silenciosos e eternos
olhais
para nós:
retardatários irmãos.
Parece que nem ânsia
nem amor
conhecem vossas
brilhantes feições polidas.
Soberanos e aos
astros irmanados,
um dia
incompreendidos,
entre templos
vagastes.
Como um distante olor
divino, a santidade
em vossos rostos
ainda hoje sopra,
a dignidade
rodeia-vos os joelhos.
Vossa beleza respira
serena:
na eternidade tendes
vossa pátria.
Mas nós, irmãos mais
novos,
sem deuses tropeçando
numa vida enganosa,
vemos abrir-se
avidamente às nossas almas
todos os torvelinhos
da paixão,
cada saudade em
brasa.
Nossa meta é a morte,
nosso credo a
inconstância;
não há lapso de tempo
que se contraponha
à nossa efígie
súplice.
E contudo trazemos
nós também
o estigma de um
secreto vínculo espiritual
em fogo na alma:
nós pressentimos
deuses e sentimos
perante vós,
silenciosas imagens da antiguidade,
amor sem medo. Nos
vedes
sem ódio a nenhum
ente, nem à morte:
o sofrer e o morrer
não nos abalam a
alma,
pois aprendemos a
amar mais profundamente.
É do pássaro o nosso
coração,
e do mar e do bosque;
aos miseráveis
e aos escravos
tratamos como irmãos,
e à pedra e ao animal
também chamamos
com amorosos nomes.
Sendo assim as
imagens
do nosso efêmero ser
não nos hão de
sobreviver em dura pedra:
sorridentes se
desvanecerão
e em transitória
poeira de sol
novos encantos e
tormentos, a cada momento,
impacientes e
perpétuas ressuscitarão.
Dezembro de 1913
Referências:
Em Alemão
HESSE, Hermann. In
einer sammlung ägyptischer bildwerke. In: __________. Die gedichte:
1892-1962. 19. auflage. Frankfurt am Main, DE: Suhrkamp, 1977. s. 354-355.
Em Português
HESSE, Hermann. Ante
uma coleção de esculturas egípcias. Tradução de Geir Campos. In: __________. Andares:
antologia poética. Seleção, tradução e prólogo de Geir Campos. Rio de Janeiro,
RJ: Nova Fronteira, jan. 1976. p. 81-82.
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