Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 30 de setembro de 2023

Hermann Hesse - Ante uma Coleção de Esculturas Egípcias

Tendo em mente as esculturas egípcias constantes no acervo do Museu de Turim (IT), Hesse contrasta a continuidade temporal de tais peças, bem assim o rastro de eternidade que o legado daquela cultura prognostica, com a transitoriedade de nossa existência, haja vista que não exatamente gravada em pedra, senão que a mercê de imagens que ressuscitam, “impacientes e perpétuas”, “encantos e tormentos”, ao sabor de “cada momento”.

 

Ao mesmo tempo que retratava uma visão idealizada do mundo, a antiga arte egípcia assumia o encargo de expressar as concepções religiosas daquela civilização, servindo ainda de lastro de permanência, neste domínio terreno, aos que atravessavam o vale da morte. Quanto aos homens de seu próprio tempo, a perspectiva de Hesse revela-se insuspeita: “Nossa meta é a morte, nosso credo a inconstância; não há lapso de tempo que se contraponha à nossa efígie súplice”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Hermann Hesse

(1877-1962)

 

In Einer Sammlung Ägyptischer Bildwerke

 

Aus den Edelsteinaugen

Blicket ihr still und ewig

Über uns späte Brüder hinweg.

Liebe scheint noch Verlangen

Euren schimmernd glatten Zügen bekannt.

Königlich und den Gestirnen verschwistert

Seid ihr Unbegreiflichen einst

Zwischen Tempeln geschritten,

Heiligkeit weht wie ein ferner Götterduft

Heut noch um eure Stirnen,

Würde um eure Knie;

Eure Schönheit atmet gelassen,

Ihre Heimat ist Ewigkeit.

 

Aber wir, eure jüngeren Brüder,

Taumeln gottlos ein irres Leben entlang,

Allen Qualen der Leidenschaft,

Jeder brennenden Sehnsucht

Steht unsre zitternde Seele gierig geöffnet.

Unser Ziel ist der Tod,

Unser Glaube Vergänglichkeit,

Keiner Zeitenferne

Trotzt unser flehendes Bildnis.

Dennoch tragen auch wir

Heimlicher Seelenverwandschaft Merkmal

In die Seele gebrannt,

Ahnen Götter und fühlen vor euch,

Schweigende Bilder der Vorzeit,

Furchtlose Liebe. Denn sehet,

Uns ist kein Wesen verhaßt, auch der Tod nicht,

Leiden und Sterben

Schreckt unsre Seele nicht,

Weil wir tiefer zu lieben gelernt!

 

Unser Herz ist des Vogels,

Ist des Meeres und Walds, und wir nennen

Sklaven und Elende Brüder,

Nennen mit Liebesnamen noch Tier und Stein.

 

So auch werden die Bildnisse

Unsres vergänglichen Seins

Nicht im harten Steine uns überdauern;

Lächelnd werden sie schwinden

Und im flüchtigen Sonnenstaub

Jeder Stunde zu neuen Freuden und Qualen

Ungeduldig und ewig auferstehn.

 

Dezember 1913

 

Esculturas Egípcias

Ísis (à direita) e seu filho Hórus (à esquerda)

acenam para Osíris (ao centro)

Efígies datadas do século IX a.C.

 

Ante uma Coleção de Esculturas Egípcias

 

De trás das gemas dos olhos

silenciosos e eternos olhais

para nós: retardatários irmãos.

Parece que nem ânsia nem amor

conhecem vossas brilhantes feições polidas.

Soberanos e aos astros irmanados,

um dia incompreendidos,

entre templos vagastes.

Como um distante olor divino, a santidade

em vossos rostos ainda hoje sopra,

a dignidade rodeia-vos os joelhos.

Vossa beleza respira serena:

na eternidade tendes vossa pátria.

 

Mas nós, irmãos mais novos,

sem deuses tropeçando numa vida enganosa,

vemos abrir-se avidamente às nossas almas

todos os torvelinhos da paixão,

cada saudade em brasa.

Nossa meta é a morte,

nosso credo a inconstância;

não há lapso de tempo que se contraponha

à nossa efígie súplice.

E contudo trazemos nós também

o estigma de um secreto vínculo espiritual

em fogo na alma:

nós pressentimos deuses e sentimos

perante vós, silenciosas imagens da antiguidade,

amor sem medo. Nos vedes

sem ódio a nenhum ente, nem à morte:

o sofrer e o morrer

não nos abalam a alma,

pois aprendemos a amar mais profundamente.

 

É do pássaro o nosso coração,

e do mar e do bosque; aos miseráveis

e aos escravos tratamos como irmãos,

e à pedra e ao animal também chamamos

com amorosos nomes.

 

Sendo assim as imagens

do nosso efêmero ser

não nos hão de sobreviver em dura pedra:

sorridentes se desvanecerão

e em transitória poeira de sol

novos encantos e tormentos, a cada momento,

impacientes e perpétuas ressuscitarão.

 

Dezembro de 1913

 

Referências:

 

Em Alemão

 

HESSE, Hermann. In einer sammlung ägyptischer bildwerke. In: __________. Die gedichte: 1892-1962. 19. auflage. Frankfurt am Main, DE: Suhrkamp, 1977. s. 354-355.

 

Em Português

 

HESSE, Hermann. Ante uma coleção de esculturas egípcias. Tradução de Geir Campos. In: __________. Andares: antologia poética. Seleção, tradução e prólogo de Geir Campos. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, jan. 1976. p. 81-82.

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