Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Archibald Macleish - Invocação à Musa Social

O poeta dirige-se à musa poliglota – “Señora”, “Fraulien”, “Tovarishch” e outros tratamentos –, para tecer comentários sobre a forma como os poetas, à semelhança de “prostitutas”, seguem guerreiros de príncipes concorrentes, deitando-se com ambos os lados, pouco importando os ideais reivindicados por armadas em duelo, pois que o mister do poeta, em tese, se atrelaria aos interesses do todo.

 

Até onde se pode depreender os propósitos do falante, aponta ele para os riscos, ao ofício do poeta, de envolvimentos ou partidarismos nas searas sociais e políticas. Não que o poeta deva se abster de externar as suas opiniões compromissadas num debate público, senão que restrinja tais incursões quando estiver na luta renhida de sua arte, no campo de batalha com as palavras.

 

J.A.R. – H.C.

 

Archibald Macleish

(1892-1982)

 

Invocation to the Social Muse

 

Señora, it is true the Greeks are dead.

 

It is true also that we here are Americans:

That we use the machines: that a sight of the god is unusual:

That more people have more thoughts: that there are

 

Progress and science and tractors and revolutions and

Marx and the wars more antiseptic and murderous

And music in every home: there is also Hoover.

 

Does the lady suggest we should write it out in The Word?

Does Madame recall our responsibilities? We are

Whores, Fräulein: poets, Fräulein, are persons of

 

Known vocation following troops: they must sleep with

Stragglers from either prince and of both views.

The rules permit them to further the business of neither.

 

It is also strictly forbidden to mix in maneuvers.

Those that infringe are inflated with praise on the plazas –

Their bones are resultantly afterwards found under newspapers.

 

Preferring life with the sons to death with the fathers,

We also doubt on the record whether the sons

Will still be shouting around with the same huzzas –

 

For we hope Lady to live to lie with the youngest.

There are only a handful of things a man likes,

Generation to generation, hungry or

 

Well fed: the earth’s one: life’s

One: Mister Morgan is not one.

 

There is nothing worse for our trade than to be in style.

 

He that goes naked goes further at last than another.

Wrap the bard in a flag or a school and they’ll jimmy his

Door down and be thick in his bed – for a month:

 

(Who recalls the address now of the Imagists?)

But the naked man has always his own nakedness.

People remember forever his live limbs.

 

They may drive him out of the camps but one will take him.

They may stop his tongue on his teeth with a rope’s argument –

He will lie in a house and be warm when they are shaking.

 

Besides, Tovarishch, how to embrace an army?

How to take to one’s chamber a million souls?

How to conceive in the name of a column of marchers?

 

The things of the poet are done to a man alone

As the things of love are done – or of death when he hears the

Step withdraw on the stair and the clock tick only.

 

Neither his class nor his kind nor his trade may come near him

There where he lies on his left arm and will die,

Nor his class nor his kind nor his trade when the blood is jeering

 

And his knee’s in the soft of the bed where his love lies.

 

I remind you, Barinya, the life of the poet is hard –

A hardy life with a boot as quick as a fiver:

 

Is it just to demand of us also to bear arms?

 

Susan Walker Morse (A Musa)

(Samuel Morse: pintor norte-americano)

 

Invocação à Musa Social

 

Señora, é verdade que os gregos estão mortos.

 

É verdade também que nós aqui somos americanos:

Que usamos máquinas: que uma visão da divindade é coisa rara:

Que há cada vez mais gente pensando cada vez mais: que existe

 

Progresso e ciência e tratores e revoluções e

Marx e as guerras mais antissépticas e assassinas

E música em cada lar; há também Hoover.

 

Será que Milady sugere que a gente inscreva isso tudo no Verbo?

Madame nos relembra nossas responsabilidades? Nós somos

Prostitutas, Fraulein: os poetas, Fraulein, são pessoas de

 

Conhecida vocação acompanhando as tropas: têm de dormir com

Os guerreiros de ambos os príncipes e de ambos os pontos de vista.

As regras do jogo lhe proíbem tratar dos negócios de qualquer deles.

 

É também estritamente proibido tomar parte nas manobras.

Os que transgridem essa regra são inflados de louvor

nas praças públicas –

E seus ossos são por isso mesmo mais tarde encontrados

por baixo dos jornais.

 

Preferindo viver com os filhos da morte a viver com os pais dela,

Também duvidamos – oficialmente – que os filhos

Ainda andem por aí gritando os mesmos vivas –

 

Pois esperamos Milady poder viver para dormir com os mais novos.

Há apenas um punhado de coisas de que um homem gosta

De geração em geração faminta ou

 

Bem alimentada: a terra é uma delas: a vida é

Uma delas: Mister J. P. Morgan não é uma delas.

 

Não há nada pior em nosso ramo de negócios do que estar na moda.

 

Aquele que anda nu chega mais depressa do que os outros.

Enrolem o bardo numa bandeira ou numa escola e eles acabarão

Lhe abrindo a porta a machadadas para viver com ele por um mês:

 

(Quem é que ainda se lembra do endereço dos Imagistas?)

Porém ao homem nu sempre lhe resta sua nudez.

Sempre haverá quem se lembre de seus membros vivos.

 

Podem expulsá-lo dos acampamentos, porém alguém tomará conta dele.

Podem calar-lhe a boca com o argumento de uma força –

Que ele dormirá debaixo de um teto, aquecido quando os outros

tremerem de frio.

 

Além disso, Tovarishch, de que modo abraçar um exército?

De que modo levar para o quarto um milhão de habitantes?

De que modo conceber em nome de uma coluna em marcha?

 

As coisas do poeta são feitas para um homem só

Como são feitas as coisas do amor – ou da morte quando ouvimos os

Passos se afastando escada abaixo e apenas o tic-tac do relógio.

 

Nem sua classe nem seus parentes nem seu ofício chegarão perto dele

Lá onde ele se deita sobre seu braço esquerdo, lá onde morrerá,

Nem sua classe nem seus parentes nem seu ofício quando o sangue

zombar dele

 

Quando o joelho sentir o macio da cama em que jaz seu amor.

 

Recordo-lhe, Barinya, é difícil a vida do poeta –

Vida difícil tanto de botas como com uma nota de mil:

 

Será justo que ainda por cima nos obriguem a pegar em armas?

 

Referência:

 

MACLEISH, Archibald. Invocation to the social muse / Invocação à musa social. Tradução de Mário Faustino. In: FAUSTINO, Mário. Poesia completa – Poesia traduzida. Introdução, organização e notas de Benedito Nunes. 1. ed. São Paulo, SP: Max Limonad, 1985. Em inglês: p. 274 e 276; em português: p. 275 e 277.

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