O poeta dirige-se à
musa poliglota – “Señora”, “Fraulien”, “Tovarishch” e outros tratamentos –, para
tecer comentários sobre a forma como os poetas, à semelhança de “prostitutas”, seguem
guerreiros de príncipes concorrentes, deitando-se com ambos os lados, pouco
importando os ideais reivindicados por armadas em duelo, pois que o mister do
poeta, em tese, se atrelaria aos interesses do todo.
Até onde se pode depreender
os propósitos do falante, aponta ele para os riscos, ao ofício do poeta, de
envolvimentos ou partidarismos nas searas sociais e políticas. Não que o poeta
deva se abster de externar as suas opiniões compromissadas num debate público, senão
que restrinja tais incursões quando estiver na luta renhida de sua arte, no
campo de batalha com as palavras.
J.A.R. – H.C.
Archibald Macleish
(1892-1982)
Invocation to the
Social Muse
Señora, it is true
the Greeks are dead.
It is true also that
we here are Americans:
That we use the
machines: that a sight of the god is unusual:
That more people have
more thoughts: that there are
Progress and science
and tractors and revolutions and
Marx and the wars
more antiseptic and murderous
And music in every
home: there is also Hoover.
Does the lady suggest
we should write it out in The Word?
Does Madame recall
our responsibilities? We are
Whores, Fräulein:
poets, Fräulein, are persons of
Known vocation
following troops: they must sleep with
Stragglers from
either prince and of both views.
The rules permit them
to further the business of neither.
It is also strictly
forbidden to mix in maneuvers.
Those that infringe
are inflated with praise on the plazas –
Their bones are
resultantly afterwards found under newspapers.
Preferring life with
the sons to death with the fathers,
We also doubt on the
record whether the sons
Will still be
shouting around with the same huzzas –
For we hope Lady to
live to lie with the youngest.
There are only a
handful of things a man likes,
Generation to
generation, hungry or
Well fed: the earth’s
one: life’s
One: Mister Morgan is
not one.
There is nothing
worse for our trade than to be in style.
He that goes naked
goes further at last than another.
Wrap the bard in a
flag or a school and they’ll jimmy his
Door down and be
thick in his bed – for a month:
(Who recalls the
address now of the Imagists?)
But the naked man has
always his own nakedness.
People remember
forever his live limbs.
They may drive him
out of the camps but one will take him.
They may stop his
tongue on his teeth with a rope’s argument –
He will lie in a
house and be warm when they are shaking.
Besides, Tovarishch,
how to embrace an army?
How to take to one’s
chamber a million souls?
How to conceive in
the name of a column of marchers?
The things of the
poet are done to a man alone
As the things of love
are done – or of death when he hears the
Step withdraw on the
stair and the clock tick only.
Neither his class nor
his kind nor his trade may come near him
There where he lies
on his left arm and will die,
Nor his class nor his
kind nor his trade when the blood is jeering
And his knee’s in the
soft of the bed where his love lies.
I remind you,
Barinya, the life of the poet is hard –
A hardy life with a
boot as quick as a fiver:
Is it just to demand
of us also to bear arms?
Susan Walker Morse (A
Musa)
(Samuel Morse: pintor
norte-americano)
Invocação à Musa
Social
Señora, é verdade que
os gregos estão mortos.
É verdade também que
nós aqui somos americanos:
Que usamos máquinas:
que uma visão da divindade é coisa rara:
Que há cada vez mais
gente pensando cada vez mais: que existe
Progresso e ciência e
tratores e revoluções e
Marx e as guerras
mais antissépticas e assassinas
E música em cada lar;
há também Hoover.
Será que Milady
sugere que a gente inscreva isso tudo no Verbo?
Madame nos relembra
nossas responsabilidades? Nós somos
Prostitutas,
Fraulein: os poetas, Fraulein, são pessoas de
Conhecida vocação acompanhando
as tropas: têm de dormir com
Os guerreiros de
ambos os príncipes e de ambos os pontos de vista.
As regras do jogo lhe
proíbem tratar dos negócios de qualquer deles.
É também estritamente
proibido tomar parte nas manobras.
Os que transgridem essa
regra são inflados de louvor
nas praças públicas –
E seus ossos são por
isso mesmo mais tarde encontrados
por baixo dos jornais.
Preferindo viver com
os filhos da morte a viver com os pais dela,
Também duvidamos –
oficialmente – que os filhos
Ainda andem por aí
gritando os mesmos vivas –
Pois esperamos Milady
poder viver para dormir com os mais novos.
Há apenas um punhado
de coisas de que um homem gosta
De geração em geração
faminta ou
Bem alimentada: a
terra é uma delas: a vida é
Uma delas: Mister J.
P. Morgan não é uma delas.
Não há nada pior em
nosso ramo de negócios do que estar na moda.
Aquele que anda nu
chega mais depressa do que os outros.
Enrolem o bardo numa
bandeira ou numa escola e eles acabarão
Lhe abrindo a porta a
machadadas para viver com ele por um mês:
(Quem é que ainda se
lembra do endereço dos Imagistas?)
Porém ao homem nu
sempre lhe resta sua nudez.
Sempre haverá quem se
lembre de seus membros vivos.
Podem expulsá-lo dos
acampamentos, porém alguém tomará conta dele.
Podem calar-lhe a
boca com o argumento de uma força –
Que ele dormirá
debaixo de um teto, aquecido quando os outros
tremerem de frio.
Além disso, Tovarishch,
de que modo abraçar um exército?
De que modo levar
para o quarto um milhão de habitantes?
De que modo conceber
em nome de uma coluna em marcha?
As coisas do poeta
são feitas para um homem só
Como são feitas as
coisas do amor – ou da morte quando ouvimos os
Passos se afastando
escada abaixo e apenas o tic-tac do relógio.
Nem sua classe nem
seus parentes nem seu ofício chegarão perto dele
Lá onde ele se deita
sobre seu braço esquerdo, lá onde morrerá,
Nem sua classe nem
seus parentes nem seu ofício quando o sangue
zombar dele
Quando o joelho
sentir o macio da cama em que jaz seu amor.
Recordo-lhe, Barinya,
é difícil a vida do poeta –
Vida difícil tanto de
botas como com uma nota de mil:
Será justo que ainda
por cima nos obriguem a pegar em armas?
Referência:
MACLEISH, Archibald. Invocation
to the social muse / Invocação à musa social. Tradução de Mário Faustino. In:
FAUSTINO, Mário. Poesia completa – Poesia traduzida. Introdução,
organização e notas de Benedito Nunes. 1. ed. São Paulo, SP: Max Limonad, 1985.
Em inglês: p. 274 e 276; em português: p. 275 e 277.
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