Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

César Vallejo - Tenho um medo terrível de ser um animal...

Obsediado pela própria animalidade, Vallejo registra neste poema o conflito entre as vertentes física e espiritual do homem: entre, de um lado, suas funções corporais e apetites – seu condicionamento social e biofisiológico, em suma –, e de outro, algo mais apurado ou refinado, a traduzir conquistas nos planos filosófico, científico e até mesmo estético.

 

Do arranque desse estado bruto de animalidade, passando pelo aprimoramento gradativo e milenar das potências em que se sustenta a sua superioridade mental – memória, inteligência e vontade –, o homem, muitas vezes, acaba por ir de encontro às lindes de sua vida instintiva e de suas paixões, como se fosse um cão ao encalço da própria cauda.

 

J.A.R. – H.C.

 

César Vallejo

(1892-1938)

 

Tengo un miedo terrible de ser un animal...

 

Tengo un miedo terrible de ser un animal

de blanca nieve, que sostuvo padre

y madre, con su sola circulación venosa,

y que, este día espléndido, solar y arzobispal,

día que representa así a la noche,

linealmente

elude este animal estar contento, respirar

y transformarse y tener plata.

 

Sería pena grande

que fuera yo tan hombre hasta ese punto.

Un disparate, una premisa ubérrima

a cuyo yugo ocasional sucumbe

el gonce espiritual de mi cintura.

Un disparate... En tanto,

es así, más acá de la cabeza de Dios,

en la tabla de Locke, de Bacon, en el lívido pescuezo

de la bestia, en el hocico del alma.

 

Y, en lógica aromática,

tengo ese miedo práctico, este día

espléndido, lunar, de ser aquél, éste talvez,

a cuyo olfato huele a muerto el suelo,

el disparate vivo y el disparate muerto.

 

¡Oh revolcarse, estar, toser, fajarse,

fajarse la doctrina, la sien, de un hombro al otro,

alejarse, llorar, darlo por ocho

o por siete o por seis, por cinco o darlo

por la vida que tiene tres potencias.

 

En: “Poemas Humanos” (1939)

 

Homem e Animal

(Paul Bartholomeusz: artista australiano)

 

Tenho um medo terrível de ser um animal...

 

Tenho um medo terrível de ser um animal

de branca neve, que sustenta pai

e mãe, só com sua circulação venosa,

e que, este dia esplêndido, solar e arcebispal,

dia que representa assim a noite,

linearmente

impede este animal de estar contente, respirar

e transformar-se e ter dinheiro.

 

Seria uma grande pena

que eu fosse tão homem até esse ponto.

Um disparate, uma premissa exuberante

a cujo jugo ocasional sucumbe

o gonzo espiritual de minha cintura.

Um disparate... E no entanto,

é assim mesmo, mais aquém da cabeça de Deus,

na mesa de Locke, de Bacon, no lívido pescoço

da besta, no focinho da alma.

 

E, em lógica aromática,

tenho esse medo prático, este dia

esplêndido, lunar, de ser aquele, talvez este,

a cujo olfato sabe a morto o chão,

o disparate vivo e o disparate morto.

 

Oh revolver-se, estar, tossir, enfaixar-se,

enfaixar a doutrina, a fronte, de um ombro ao outro,

afastar-se, chorar, dá-lo por oito,

ou por sete ou por seis, por cinco ou dá-lo

pela vida que três potências tem.

 

Em: “Poemas Humanos” (1939)

 

Referências:

 

Em Espanhol

 

VALLEJO, César. Tengo un miedo terrible de ser un animal... In: __________. In: __________. Obra poética completa. Edición, prólogo y cronología por Enrique Ballón Aguirre. Segunda reimpresión. Caracas, VE: Fundación Biblioteca Ayacucho, 2015. p. 181-182. (Colección ‘Clásica’, nº 58)

 

Em Português

 

VALLEJO, César. Tenho um medo terrível de ser um animal... Tradução de Thiago de Mello. In: __________. Poesia completa. Tradução de Thiago de Mello. Rio de Janeiro, RJ: Philobiblion; Rioarte, 1984. p. 222.

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