Obsediado pela
própria animalidade, Vallejo registra neste poema o conflito entre as vertentes
física e espiritual do homem: entre, de um lado, suas funções corporais e
apetites – seu condicionamento social e biofisiológico, em suma –, e de outro,
algo mais apurado ou refinado, a traduzir conquistas nos planos filosófico,
científico e até mesmo estético.
Do arranque desse estado
bruto de animalidade, passando pelo aprimoramento gradativo e milenar das potências
em que se sustenta a sua superioridade mental – memória, inteligência e vontade
–, o homem, muitas vezes, acaba por ir de encontro às lindes de sua vida instintiva
e de suas paixões, como se fosse um cão ao encalço da própria cauda.
J.A.R. – H.C.
César Vallejo
(1892-1938)
Tengo un miedo
terrible de ser un animal...
Tengo un miedo
terrible de ser un animal
de blanca nieve, que sostuvo
padre
y madre, con su sola
circulación venosa,
y que, este día
espléndido, solar y arzobispal,
día que representa
así a la noche,
linealmente
elude este animal
estar contento, respirar
y transformarse y
tener plata.
Sería pena grande
que fuera yo tan
hombre hasta ese punto.
Un disparate, una
premisa ubérrima
a cuyo yugo ocasional
sucumbe
el gonce espiritual
de mi cintura.
Un disparate... En
tanto,
es así, más acá de la
cabeza de Dios,
en la tabla de Locke,
de Bacon, en el lívido pescuezo
de la bestia, en el
hocico del alma.
Y, en lógica
aromática,
tengo ese miedo
práctico, este día
espléndido, lunar, de
ser aquél, éste talvez,
a cuyo olfato huele a
muerto el suelo,
el disparate vivo y
el disparate muerto.
¡Oh revolcarse,
estar, toser, fajarse,
fajarse la doctrina,
la sien, de un hombro al otro,
alejarse, llorar,
darlo por ocho
o por siete o por
seis, por cinco o darlo
por la vida que tiene
tres potencias.
En: “Poemas Humanos”
(1939)
Homem e Animal
(Paul Bartholomeusz: artista
australiano)
Tenho um medo
terrível de ser um animal...
Tenho um medo
terrível de ser um animal
de branca neve, que
sustenta pai
e mãe, só com sua
circulação venosa,
e que, este dia
esplêndido, solar e arcebispal,
dia que representa
assim a noite,
linearmente
impede este animal de
estar contente, respirar
e transformar-se e
ter dinheiro.
Seria uma grande pena
que eu fosse tão
homem até esse ponto.
Um disparate, uma
premissa exuberante
a cujo jugo ocasional
sucumbe
o gonzo espiritual de
minha cintura.
Um disparate... E no
entanto,
é assim mesmo, mais
aquém da cabeça de Deus,
na mesa de Locke, de
Bacon, no lívido pescoço
da besta, no focinho
da alma.
E, em lógica
aromática,
tenho esse medo
prático, este dia
esplêndido, lunar, de
ser aquele, talvez este,
a cujo olfato sabe a
morto o chão,
o disparate vivo e o
disparate morto.
Oh revolver-se,
estar, tossir, enfaixar-se,
enfaixar a doutrina,
a fronte, de um ombro ao outro,
afastar-se, chorar,
dá-lo por oito,
ou por sete ou por
seis, por cinco ou dá-lo
pela vida que três
potências tem.
Em: “Poemas Humanos”
(1939)
Referências:
Em Espanhol
VALLEJO, César. Tengo
un miedo terrible de ser un animal... In: __________. In: __________. Obra
poética completa. Edición, prólogo y cronología por Enrique Ballón Aguirre.
Segunda reimpresión. Caracas, VE: Fundación Biblioteca Ayacucho, 2015. p.
181-182. (Colección ‘Clásica’, nº 58)
Em Português
VALLEJO, César. Tenho
um medo terrível de ser um animal... Tradução de Thiago de Mello. In:
__________. Poesia completa. Tradução de Thiago de Mello. Rio de
Janeiro, RJ: Philobiblion; Rioarte, 1984. p. 222.
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