Em versos brancos
hendecassílabos, Borges elenca neste poema um vasto rol de tópicas “causais”,
como uma tapeçaria desdobrada ao longo das eras, a agregar referentes
literários, geográficos, mitológicos, históricos, políticos ou meramente
perceptuais/emocionais: o autor argentino era mesmo uma “biblioteca” viva, de
um vasto e assombroso acervo cultural!
A humana cogitação
quase que invariavelmente sente a necessidade de se convencer de que tudo
quanto nos acontece tem a sua razão de ser, num encadeamento inexorável de
causas que nos levam à arte do encontro – e, por vezes, do desencontro, muito
embora o autor, explicitamente, a esta não pretenda se reportar!
Note-se que não
poderiam faltar no poema menções às ideias de encadeamento elíptico no evoluir
humano – voltaremos, no futuro, a ser outra vez quem sempre fomos, detendo-nos
sobre as mesmas coisas do passado –, de labirintos, de espelhos – abstrações
tão caras à prosa e à poesia de Borges!
J.A.R. – H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
Las causas
Los ponientes y las generaciones.
Los días y ninguno
fue el primero.
La frescura del agua
en la garganta
de Adán. El ordenado
Paraíso.
El ojo descifrando la
tiniebla.
El amor de los lobos
en el alba.
La palabra. El
hexámetro. El espejo.
La Torre de Babel y
la soberbia.
La luna que miraban
los caldeos.
Las arenas innúmeras
del Ganges.
Chuang-Tzu y la
mariposa que lo sueña.
Las manzanas de oro
de las islas.
Los pasos del errante
laberinto.
El infinito lienzo de
Penélope.
El tiempo circular de
los estoicos.
La moneda en la boca
del que ha muerto.
El peso de la espada
en la balanza.
Cada gota de agua en
la clepsidra.
Las águilas, los
fastos, las legiones.
César en la mañana de
Farsalia.
La sombra de las
cruces en la tierra.
El ajedrez y el
álgebra del persa.
Los rastros de las
largas migraciones.
La conquista de
reinos por la espada.
La brújula incesante.
El mar abierto.
El eco del reloj en
la memoria.
El rey ajusticiado
por el hacha.
El polvo incalculable
que fue ejércitos.
La voz del ruiseñor
en Dinamarca.
La escrupulosa línea
del calígrafo.
El rostro del suicida
en el espejo.
El naipe del tahúr.
El oro ávido.
Las formas de la nube
en el desierto.
Cada arabesco del
calidoscopio.
Cada remordimiento y
cada lágrima.
Se precisaron todas
esas cosas
para que nuestras
manos se encontraran.
En: “Historia de la
noche” (1977)
O fluxo do tempo
(Bruce Rolff: artista
norte-americano)
As causas
Os poentes e as
várias gerações.
Os dias e nenhum foi
o primeiro.
A frescura da água na
garganta
De Adão. O ordenado
Paraíso.
O olho tentando
decifrar a treva.
Os amores dos lobos
na alvorada.
A palavra. O
hexâmetro. O espelho.
A Torre de Babel e a
soberba.
A lua que miravam os
caldeus.
As areias inúmeras do
Ganges.
Chuang Tzu e a
borboleta que o sonha.
As douradas maçãs de
certas ilhas.
Os passos do errante
labirinto.
A tela infinita de
Penélope.
Dos estoicos o tempo
circular.
A moeda na boca de um
morto.
O peso da espada na
balança.
Cada gota de água na
clepsidra.
As águias, os fastos,
as legiões.
César na manhã clara
da Farsália.
A sombra que as
cruzes deixam na terra.
O xadrez e a álgebra
do persa.
Os rastros de
extensas migrações.
A conquista dos
reinos pela espada.
A bússola incessante.
O mar aberto.
O eco do relógio na
memória.
O rei pelo machado
justiçado.
O pó incalculável que
foi exércitos.
A voz do rouxinol na
Dinamarca.
A escrupulosa linha
do calígrafo.
O rosto do suicida no
espelho.
A carta do taful. O
ouro ávido.
As formas de uma
nuvem no deserto.
Cada arabesco do caleidoscópio.
Cada remordimento e
cada lágrima.
Definiram-se todas
essas coisas
Para que nossas mãos
se encontrassem.
Em: “História da
noite” (1977)
Referência:
BORGES, Jorge Luis.
Las causas / As causas. Tradução de Josely Vianna Baptista. In: __________. Poesia.
Tradução de Josely Vianna Baptista. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009.
Em espanhol: p. 571; em português: p. 289.
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