Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Jorge Luis Borges - As causas

Em versos brancos hendecassílabos, Borges elenca neste poema um vasto rol de tópicas “causais”, como uma tapeçaria desdobrada ao longo das eras, a agregar referentes literários, geográficos, mitológicos, históricos, políticos ou meramente perceptuais/emocionais: o autor argentino era mesmo uma “biblioteca” viva, de um vasto e assombroso acervo cultural!

 

A humana cogitação quase que invariavelmente sente a necessidade de se convencer de que tudo quanto nos acontece tem a sua razão de ser, num encadeamento inexorável de causas que nos levam à arte do encontro – e, por vezes, do desencontro, muito embora o autor, explicitamente, a esta não pretenda se reportar!

 

Note-se que não poderiam faltar no poema menções às ideias de encadeamento elíptico no evoluir humano – voltaremos, no futuro, a ser outra vez quem sempre fomos, detendo-nos sobre as mesmas coisas do passado –, de labirintos, de espelhos – abstrações tão caras à prosa e à poesia de Borges!

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorge Luis Borges

(1899-1986)

 

Las causas

 

Los ponientes y las generaciones.

Los días y ninguno fue el primero.

La frescura del agua en la garganta

de Adán. El ordenado Paraíso.

El ojo descifrando la tiniebla.

El amor de los lobos en el alba.

La palabra. El hexámetro. El espejo.

La Torre de Babel y la soberbia.

La luna que miraban los caldeos.

Las arenas innúmeras del Ganges.

Chuang-Tzu y la mariposa que lo sueña.

Las manzanas de oro de las islas.

Los pasos del errante laberinto.

El infinito lienzo de Penélope.

El tiempo circular de los estoicos.

La moneda en la boca del que ha muerto.

El peso de la espada en la balanza.

Cada gota de agua en la clepsidra.

Las águilas, los fastos, las legiones.

César en la mañana de Farsalia.

La sombra de las cruces en la tierra.

El ajedrez y el álgebra del persa.

Los rastros de las largas migraciones.

La conquista de reinos por la espada.

La brújula incesante. El mar abierto.

El eco del reloj en la memoria.

El rey ajusticiado por el hacha.

El polvo incalculable que fue ejércitos.

La voz del ruiseñor en Dinamarca.

La escrupulosa línea del calígrafo.

El rostro del suicida en el espejo.

El naipe del tahúr. El oro ávido.

Las formas de la nube en el desierto.

Cada arabesco del calidoscopio.

Cada remordimiento y cada lágrima.

Se precisaron todas esas cosas

para que nuestras manos se encontraran.

 

En: “Historia de la noche” (1977)

 

O fluxo do tempo

(Bruce Rolff: artista norte-americano)

 

As causas

 

Os poentes e as várias gerações.

Os dias e nenhum foi o primeiro.

A frescura da água na garganta

De Adão. O ordenado Paraíso.

O olho tentando decifrar a treva.

Os amores dos lobos na alvorada.

A palavra. O hexâmetro. O espelho.

A Torre de Babel e a soberba.

A lua que miravam os caldeus.

As areias inúmeras do Ganges.

Chuang Tzu e a borboleta que o sonha.

As douradas maçãs de certas ilhas.

Os passos do errante labirinto.

A tela infinita de Penélope.

Dos estoicos o tempo circular.

A moeda na boca de um morto.

O peso da espada na balança.

Cada gota de água na clepsidra.

As águias, os fastos, as legiões.

César na manhã clara da Farsália.

A sombra que as cruzes deixam na terra.

O xadrez e a álgebra do persa.

Os rastros de extensas migrações.

A conquista dos reinos pela espada.

A bússola incessante. O mar aberto.

O eco do relógio na memória.

O rei pelo machado justiçado.

O pó incalculável que foi exércitos.

A voz do rouxinol na Dinamarca.

A escrupulosa linha do calígrafo.

O rosto do suicida no espelho.

A carta do taful. O ouro ávido.

As formas de uma nuvem no deserto.

Cada arabesco do caleidoscópio.

Cada remordimento e cada lágrima.

Definiram-se todas essas coisas

Para que nossas mãos se encontrassem.

 

Em: “História da noite” (1977)

 

Referência:

 

BORGES, Jorge Luis. Las causas / As causas. Tradução de Josely Vianna Baptista. In: __________. Poesia. Tradução de Josely Vianna Baptista. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009. Em espanhol: p. 571; em português: p. 289.

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