Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Manuel Bandeira - O Cacto

O verso derradeiro do poema diz muito sobre como o poeta observa um enorme cacto – com um formato intrincado e implexo – que tombara da calçada transversalmente à rua, causando transtornos ao trânsito e ao suprimento de energia elétrica, além de ter danificado os beirais do casario em frente: de uma beleza “áspera, intratável”, muito distinta da matriz clássica que se costuma atribuir a uma criação airosa, digo melhor, harmônica, refinada, simétrica até.

 

Bandeira vê no cacto certa conduta “desesperada” e retorcida para fazer frente ao clima seco e inóspito do nordeste brasileiro – “terra de feracidades excepcionais” –, comparando-a ao do talhe emaranhado de dois famosos grupos escultóricos da arte europeia, ambos a representar cenas de agrilhoamento e dor.

 

Sob tal perspectiva, o cacto pode ser uma oportuna metáfora para certas pessoas que vêm ao mundo e se veem confrangidas por acerbas dificuldades, tendo que lutar e lutar num ambiente humano muitas vezes hostil, nem sempre logrando estabelecer-se a contento, tombando, eventualmente, quando o tufão das circunstâncias abala as suas frágeis fundações.

 

J.A.R. – H.C.

 

Manuel Bandeira

(1886-1968)

 

O Cacto

 

Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:

Laocoonte constrangido pelas serpentes,

Ugolino e os filhos esfaimados.

Evocava também o seco nordeste, carnaubais, caatingas...

Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.

 

Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.

O cacto tombou atravessado na rua,

Quebrou os beirais do casario fronteiro,

Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,

Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas

privou a cidade de iluminação e energia:

 

– Era belo, áspero, intratável.

 

Em: “Libertinagem” (1930)

 

Cacto

(Usanee Chomnansin: pintora tailandesa)

 

Referência:

 

BANDEIRA, Manuel. O cacto. In: __________. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro, RJ: José Aguilar, 1967. p. 246.

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