Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Robert Graves - O poema não escrito

Este poema, escrito por Graves no limiar de sua derradeira década de vida, revela o poeta em confronto às vicissitudes da idade, da vulnerabilidade e do perecimento, ponderando sobre os dilemas de sua arte, a partir dos quais resultam apelos e vocativos à razão e à rima para que venham ao seu encontro, insuflando-lhe ideias no outono de sua existência.

 

A poesia flui impregnada a motivos da vida sazonal junto à natureza, sendo ela, em última instância, a destinatária cardeal de seus versos, versos estes sobre os quais Graves aspira a que suas intuições e inspirações se decantem, arquitetando um painel para além do meramente racional, ou melhor, não integralmente assente em verdades, pois que a outra metade submete-se ao comando de uma linguagem supralógica.

 

J.A.R. – H.C.

 

Robert Graves

(1895-1985)

 

The unpenned poem

 

Should I wander with no frown, these idle days,

My dark hair trespassing on its pale brow –

If so, without companionship or praise,

Must I revisit marshes where frogs croak

Like me, mimicking penitential ways?

 

Are you still anchored to my slow, warm heart

After long years of drawing nightly nearer

And visiting our haunted room, timely

Ruffling its corners with love’s hidden mop?

And still must we not part?

 

What is a poem if as yet unpenned

Though truthful and emancipated still

From what may never yet appear,

From the flowery riches of still silent song

From golden hours of a wakeful Spring?

 

Approach me, Rhyme; advise me, Reason!

The wind blows gently from the mountain top.

Let me display three penetrative wounds

White and smooth in this wrinkled skin of mine,

Still unacknowledged by the flesh beneath.

 

A poem may be trapped here suddenly,

Thrusting its adder’s head among the leaves,

Without reason or rhyme, dumb –

Or if not dumb, then with a single voice

Robbed of its chorus.

 

Here looms November. When last did I approach

Paper with ink, pen, and the half truth?

Advise me, Reason!

 

Novembro

(Emile Noirot: pintor francês)

 

O poema não escrito

 

Devo vagar sem franzir o cenho, nestes dias ociosos,

Meu cabelo escuro a invadir a pálida fronte.

Se assim for, sem companhia ou louvores,

Devo revisitar pântanos onde as rãs, tal como eu,

Coaxam imitando formas de penitência?

 

Ainda estás ainda ancorada ao meu lento e tépido coração

Depois de longos anos acercando-se mais e mais a cada noite

E visitando nossa assombrada alcova, revolvendo

oportunamente os seus recessos com a furtiva bucha do amor?

E ainda assim, não havemos de nos separar?

 

O que é um poema se ainda não foi escrito,

Mesmo que verdadeiro e, de resto, emancipado

Do que talvez nunca venha à luz,

Das riquezas floridas de um canto ainda silencioso,

Das horas douradas de uma Primavera em vigília?

 

Aproxima-te de mim, Rima; aconselha-me, Razão!

O vento sopra suavemente do cimo da montanha.

Permita-me mostrar três feridas penetrantes,

Brancas e tersas, nesta minha enrugada pele,

Pela carne sob ela ainda desconhecidas.

 

Um poema pode ficar aqui sitiado de repente,

Projetando a sua cabeça de víbora entre as folhas,

Sem razão nem rima, emudecido –

Ou se não mudo, então com uma única voz

roubada ao seu refrão.

 

Novembro assoma por aqui. Quando foi a última vez que

Me aproximei do papel com tinta, caneta e a meia verdade?

Aconselha-me, Razão!

 

Referência:


GRAVES, Robert. The unpenned poem. The New Yorker, New York, NY, v. 51, n. 13, p. 40, may 19, 1975.

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