Aqui, a impaciência é
do falante, claro está – não do poema –, sôfrego à espera da amada (ou de uma
relação afetiva que teima em não se avizinhar), inquieto ante a possibilidade
de que possa ela chegar quando tudo já “tenha sabor seco de cinzas, de terras
amargas”: com efeito, os versos evoluem num tom desalentado, revelando as
fráguas pelo iminente acaso de um desencontro.
São os ofegos pela
satisfação de desejos orientadores de uma vida, mas que podem ser obstados por circunstâncias
inesperadas, como a morte – e é a esta que, no limite, a voz lírica se refere,
quando emprega a locução “cinzas gélidas”, ou, menos extremadamente, a um estado
de espírito cujo terreno, em seu desapego, expõe-se às chances de se tornar definitivamente
estéril.
J.A.R. – H.C.
Emilio Ballagas
(1908-1954)
Poema impaciente
¿Y si llegaras tarde,
cuando mi boca tenga
sabor seco a cenizas,
a tierras amargas?
¿Y si llegaras cuando
la tierra removida y
oscura (ciega, muerta)
llueva sobre mis
ojos,
y desterrado de la
luz del mundo
te busque en la luz
mía,
en la luz interior
que yo creyera
tener fluyendo en mí?
(Cuando tal vez
descubra
que nunca tuve luz
y marche a tientas
dentro de mí mismo,
como un ciego que
tropieza a cada paso
con recuerdos que
hieren como cardos.)
¿Y si llegaras cuando
ya el hastío
ata y venda las
manos;
cuando no pueda abrir
los brazos
y cerrarlos después
como las valvas
de una concha amorosa
que defiende
su misterio, su
carne, su secreto;
cuando no pueda oír
abrirse
la rosa de tu beso ni
tocarla
(tacto mío marchito
entre la tierra yerta)
ni sentir que me nace
otro perfume
que le responda al
tuyo,
ni enseñar a tus
rosas
el color de mis
rosas?
¿Y si llegaras tarde
y encontraras (tan
solo)
las cenizas heladas
de la espera?
De: “Sabor eterno”
(1939)
Homem à espera
(Frank Habbas:
artista norte-americano)
Poema impaciente
E se você chegar
tarde,
quando minha boca
tiver
sabor seco de cinzas,
e de terras amargas?
E se chegar quando
a terra removida e
escura (cega, morta)
chova sobre meus
olhos,
e desterrado da luz
do mundo
te busque em minha
luz,
na luz interior que
eu achava
que vinha fluindo em
mim?
(Quando talvez
descubra
que nunca tive luz
e ande tateando
dentro de mim mesmo,
como um cego que
tropeça a cada passo
com lembranças que
ferem como cardos.)
E se chegar quando já
o tédio
ate e tape as mãos;
quando não possa
abrir os braços
e fechá-los depois
como as valvas
de uma concha amorosa
que defende
seu mistério, sua
carne, seu segredo;
quando não possa ouvir
abrir
a rosa de seu beijo
nem tocar
meu tato murcho entre
a erva hirta)
nem sentir que nasce
em mim outro perfume
que lhe responda ao
seu,
nem mostrar a suas
rosas
a cor das minhas?
E se você chegasse
tarde
e encontrasse
(apenas)
as cinzas gélidas da
espera?
De: “Sabor eterno”
(1939)
Referência:
BALLAGAS, Emilio.
Poema impaciente / Poema impaciente. Tradução de
Alai Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. In: LEMUS, Virgilio López (Seleção,
prefácio e notas). Vinte poetas cubanos do século XX. Tradução de
Alai Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. Edição bilíngue. Florianópolis,
SC: Ed. da UFSC, 1995. Em espanhol: p. 74; em português: p. 75.
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