Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Raimundo Correia - O Poeta

Com um distinto léxico, em meio a inúmeras figuras de linguagem, o vate maranhense, à força de inflexões poéticas que muito evocam os modos de expressão de certos autores franceses, põe-se a descrever a figura do poeta e o seu mister de submeter às trevas todo o espaço, fazendo luzir na noite, de um “ardente e oculto mundo”, pequenos pontos luminosos nos quais lateja “o hosana intraduzível do ser”.

Vertido a sentenças do idioma, o cenário visual de um “pavoroso oceano” logo transfigura-se numa sensação audível, a percutir a “orquestra das vozes do universo”, declaradamente, as “músicas supernas dos astros”... e um “salmo obscuro e misterioso”, como se emitido fosse por um “monstro diluviano” na “boca das cavernas”.

J.A.R. – H.C.

 

Raimundo Correia

(1859-1911)

 

O Poeta

 

Em vão de trevas todo o espaço inundas!

Povoam-no lucíferos insetos;

São terrestres estrelas vagabundas;

São pequeninas lâmpadas errantes;

São, de um roto colar de fogo, iriantes

Áscuas soltas; são vívidos e inquietos

Carbúnculos alados;

São acesas safiras; são diamantes

Da grinalda dos sóis desengastados...

Basta à minha pupila

O fanal dessas almas luminosas;

E eu, nas tuas entranhas tenebrosas,

Como uma sonda, os olhos aprofundo,

Ó tétrica e tranquila

Noite! – e sinto em cada átomo invisível

Latejar novo, ardente e oculto mundo;

E o idioma confuso,

O hino sem eco, o hosana intraduzível

Do ser, o mais rudimentar, traduzo,

Neste de trevas pavoroso oceano,

Onde o espírito imerso

Se debate arquejante, escuto, ansioso,

Toda a orquestra das vozes do Universo;

Desde as dos astros músicas supernas,

Até o salmo obscuro e misterioso,

Que escapa, como um monstro diluviano,

Pela estúpida boca das cavernas...

 

Seis poetas toscanos

(Giorgio di Antonio Vasari: pintor italiano)


Elucidário:

Áscua – tição, brasa viva;
Carbúnculo – rubi grande de bela água e de intenso brilho;
Lucífero – que emite luz;
Superno – Mais alto, superior, supremo.

Referência:

CORREIA, Raimundo. O poeta. In: __________. Aleluias. Introdução, fixação do texto e notas por Maria da Penha Campos Fernandes. Porto, PT: Edições Ecopy, 2013. p. 82-83. (Coleção ‘Cruzeiro do Sul’; v. 2)

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