Com um distinto léxico, em meio a inúmeras figuras de linguagem, o vate maranhense, à força de inflexões poéticas que muito evocam os modos de expressão de certos autores franceses, põe-se a descrever a figura do poeta e o seu mister de submeter às trevas todo o espaço, fazendo luzir na noite, de um “ardente e oculto mundo”, pequenos pontos luminosos nos quais lateja “o hosana intraduzível do ser”.
Vertido a sentenças do idioma, o cenário visual de um “pavoroso oceano” logo transfigura-se numa sensação audível, a percutir a “orquestra das vozes do universo”, declaradamente, as “músicas supernas dos astros”... e um “salmo obscuro e misterioso”, como se emitido fosse por um “monstro diluviano” na “boca das cavernas”.
J.A.R. – H.C.
Raimundo Correia
(1859-1911)
O Poeta
Em vão de trevas todo o espaço inundas!
Povoam-no lucíferos insetos;
São terrestres estrelas vagabundas;
São pequeninas lâmpadas errantes;
São, de um roto colar de fogo, iriantes
Áscuas soltas; são vívidos e inquietos
Carbúnculos alados;
São acesas safiras; são diamantes
Da grinalda dos sóis desengastados...
Basta à minha pupila
O fanal dessas almas luminosas;
E eu, nas tuas entranhas tenebrosas,
Como uma sonda, os olhos aprofundo,
Ó tétrica e tranquila
Noite! – e sinto em cada átomo invisível
Latejar novo, ardente e oculto mundo;
E o idioma confuso,
O hino sem eco, o hosana intraduzível
Do ser, o mais rudimentar, traduzo,
Neste de trevas pavoroso oceano,
Onde o espírito imerso
Se debate arquejante, escuto, ansioso,
Toda a orquestra das vozes do Universo;
Desde as dos astros músicas supernas,
Até o salmo obscuro e misterioso,
Que escapa, como um monstro diluviano,
Pela estúpida boca das cavernas...
Seis poetas toscanos
(Giorgio di Antonio Vasari: pintor italiano)
Elucidário:
Áscua – tição,
brasa viva;
Carbúnculo –
rubi grande de bela água e de intenso brilho;
Lucífero –
que emite luz;
Superno – Mais
alto, superior, supremo.
Referência:
CORREIA, Raimundo. O poeta. In:
__________. Aleluias. Introdução, fixação do texto e notas por Maria da
Penha Campos Fernandes. Porto, PT: Edições Ecopy, 2013. p. 82-83. (Coleção
‘Cruzeiro do Sul’; v. 2)
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