Nem sempre as coisas se desenrolam como se estivessem num ponto de otimização, naquela exata solução matemática que a todos contentaria, enquanto chave de elucidação para esse sistema multidimensional e contingente que é o mundo. Afinal, nota-se – pelas obras de poetas, músicos e pintores – o quanto é difícil sempre manter-se num ponto de equilíbrio: há montanhas e planícies, até mesmo regiões subterrâneas, no repertório completo de qualquer artista.
Se assim aparenta ser a realidade, quanto mais nas indeterminações em que se desenrolam os íntimos relacionamentos humanos! Exigir-se perfeição no amor externado pelo(a) companheiro(a) é receita certa para que as coisas desandem ainda mais: vale mais aqui o exercício da tolerância, para que o convívio possa sustentar-se em salvaguarda.
J.A.R. – H.C.
Affonso Romano de Sant’Anna
(n. 1937)
O erro certo
A Tabacaria e vários poemas de Fernando Pessoa têm
versos
demais e muitos precisariam ser reescritos.
Trechos dos Cantares de Ezra Pound são prosaicos
e a rigor incompreensíveis.
Manuel Bandeira e Neruda têm alguns poemas, que
façam-me
o favor!
Os Lusíadas, às vezes, cansam,
quase viram prosa rimada,
tal como ocorre com partes da Eneida, da Ilíada e
da Odisseia.
Alguns quadros e desenhos de Picasso nem parecem
feitos por
um mestre.
Stravinsky às vezes aglutina sons demais em sua
pauta.
Mahler, como Brahms, faz música, às vezes
inteligente demais
e um dia, pasme! ouvi algo de Mozart que não me
comoveu.
Até Bach tem composições de pura habilidade.
Não é possível acertar o alvo o tempo todo
como sabe qualquer atirador.
Por que não queres aceitar
a imperfeição do meu amor?
Três Músicos
(Pablo Picasso: pintor espanhol)
Referência:
SANT’ANNA, Affonso Romano de. O erro
certo. In: __________. Vestígios. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2005. p. 12.
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